2. A Reconquista do Algarve

A reconquista cristã no território do Algarve foi o culminar de um longo processo de recuperação dos territórios ocupados pelos Mouros desde o século VIII, e que se fez ainda em diversas fases:

– Em 1189, numa efémera conquista de Alvor e Silves pelas forças militares de D. Sancho I, em conjunto com a armada da Terceira Cruzada que, vinda do Norte da Europa (Flandres), demandava a Palestina. Pela primeira vez o rei de Portugal passava a ostentar também o título de Rei de Silves e do Algarve. Passados dois anos, em 1191, no âmbito da invasão almóada, o miramolim de Marrocos reconquistou a cidade para os Muçulmanos e o rei deixa de usar os títulos;

– Entre 1226 e 1239 (ou 1242, como outros defendem) D. Sancho II e as Ordens Militares já estabelecidas em Portugal (especialmente a de Santiago da Espada, e a dos Hospitalários) integraram no território português a maior parte das povoações do Alentejo e da bacia do baixo Guadiana, em ambas as margens, incluindo algumas que hoje são espanholas. Em 1238/39 terá sido conquistada Alcoutim e Castro Marim, e em 1239 (ou 1242, como defendem alguns autores) foram tomados os castelos de Cacela e Tavira, numa estratégia de formação de uma cunha territorial, pelo que na conquista final já o território ocidental se encontrava em descontinuidade em relação ao restante território muçulmano dominado pelo rei de Niebla, e emir do Algarve, Ibne al- Mahfot (ou Aben Mafon).

Em meados da década de 1240, no âmbito da contenda interna entre o rei D. Sancho II e seu irmão (futuro D. Afonso III), aquele procurou o apoio do monarca castelhano que, estando ocupado em Jaén lhe enviou o seu filho Afonso (futuro rei Afonso X), ao qual, em troca da ajuda, D. Sancho fez entrega das terras conquistadas para leste do Guadiana.

– Entre 1249 e 1250, terminou o processo com a tomada das povoações fortificadas da parte central e ocidental da região, na fase inicial do reinado de D. Afonso III, já depois da morte de seu irmão, o anterior rei D. Sancho II, que faleceu em 1248.

No ano de 1249 as tropas comandadas pelo rei D. Afonso III, vindas do Alentejo, por Almodôvar e pela serra algarvia, encontraram-se com as hostes do mestre de Santiago (da Espada), D. Paio Peres Correia, na zona de Salir, e tomaram sem grandes dificuldades as fortificações de Faro (março), Loulé, Salir, Paderne, Silves e Aljezur, concluindo assim a progressão rumo ao sul muçulmano do processo de reconquista cristã. 

Mas, se a conquista foi em termos militares relativamente pouco exigente, uma manobra política daquele dirigente muçulmano, iria baralhar as contas entre os reis cristãos peninsulares que estavam na mesma missão de reconquista.  O rei mouro, vencido militarmente pelas hostes portuguesas no Algarve, foi render-se politicamente ao infante D. Afonso (futuro Afonso X) filho e herdeiro do rei de Castela e Leão, D. Fernando III, o Santo, e em seu nome, que no ano anterior (1248) tinha tomado Sevilha, colocando-se na posição de seu vassalo. Assim, o território do Algarve passava a ser dominado de facto por Portugal e de iure por Castela.

Este facto deu origem a um sério conflito político diplomático, e até militar, entre os dois reinos cristãos, e retardou o povoamento e administração portuguesa sobre o Algarve durante alguns anos. Em 1252 Afonso X de Castela, toma o poder e declara guerra a Portugal para fazer valer os seus direitos sobre o Algarve e sobre Aroche e Aracena (castelos que tinham sido tomados, entretanto, pelo Rei de Portugal). Esta disputa teve uma primeira pausa no ano seguinte, com a paz entre as duas partes, ficando estipulado que D. Afonso III casaria com D. Beatriz, filha natural do rei de Castela e este ficaria com o usufruto do território, até que houvesse um filho varão desse matrimónio e atingisse a idade de 7 anos. Mas a questão não era tão simples, por dois motivos: a. O rei de Portugal ainda era casado com D. Matilde, condessa de Bolonha (daí o seu cognome de ‘Bolonhês’; e b. Porque D. Beatriz ainda era nessa altura uma criança (nascera em 1242 ou 44).

Entretanto, e pelo primeiro aspeto citado (o casamento realizou-se em Chaves, em maio de 1253), o rei de Portugal ainda viria a ser excomungado pelo Papa, por bigamia, e o conflito ainda viria a reacender-se algumas vezes. Nomeadamente quando, em 1253, o rei de Castela e Leão nomeou o primeiro bispo para Silves, o frade dominicano D. Roberto, com doação perpétua de algumas propriedades em várias localidades do Algarve (Silves, Faro, Albufeira e Tavira) e a aldeia de Lagos, com seus dízimos1, que o rei de Portugal já tinha em seu poder, sem prévio consentimento do monarca português. Conhecemos a carta de protesto do Rei de Portugal, de 22 de janeiro de 1254, em que, já em conjunto com a princesa D. Beatriz, que assina como rainha, se faz notar que só a ele competia nomear prelado “cum ipse Rex Portugalliae verus dominus, et verus patronus civitatis, et diocaesis, eundem deberet praesentare et donare ad ecclesiam Silvensem” e o rei de Castela era só usufrutuário “rex Castella tanquam usufructuarius et non dominus, eas sibi non posset dare”.

A morte da Condessa de Bolonha, em 1258, resolveu o problema da bigamia e o casamento apaziguador com a filha do rei de Castela serenou os ânimos. Daqui nasceria o infante D. Dinis, como primeiro filho varão, em 1261, depois de D. Branca, em 1259, o que veio a facilitar a resolução do conflito do domínio sobre o Algarve. Foi com a bula “In Nostra Proposuistis”, de 4 de julho de 1263, que o papa Urbano IV levantou no interdito que pesava sobre o Reino e tornava tudo legal.

Entretanto, em fevereiro de 1262, Afonso X conquistou a Ibn Mahfut o reino de Niebla.

Em 1263, o rei de Castela nomeia seus procuradores D. Paio Peres Correia, D. Martinho Nunes (Mestre da Ordem dos Templários), D. Fernando Eanes Portocarrero (Deão de Braga) e o Adiantado de Múrcia, D. Alfonso Nuñez, para a negociação do problema, e chega-se a uma solução de compromisso sobre os direitos e limites do território e a anuência do rei de Castela a que D. Afonso III passasse cartas de foral às povoações algarvias.

Em 20 de setembro de 1264, num documento lavrado em Sevilha, Afonso X cede todos os direitos que tinha sobre o Algarve, com exceção do serviço de 50 lanças (entenda-se homens armados com lanças) enquanto vivesse, em momentos de perigo, exterior ou interior. Ficavam como garantia dois castelos do Algarve nas mãos de D. João de Aboim e seu filho, Pedro Anes de Portel, os quais, em caso de incumprimento desse auxílio pelo rei de Portugal, deveriam cobrar e entregar ao Rei de Castela todos os rendimentos que ele tinha antes desta outorga.

Segundo a tradição, em 1266, o infante D. Dinis, com apenas 5 anos de idade, e enviado pelo pai, apresentou-se na Corte castelhana à frente de uma embaixada a solicitar a entrega das terras do Algarve que tinham ficado em posse do rei de Castela e Leão. Consta que o avô ficou muito sensibilizado com a graciosidade do neto e cedeu os direitos (as 50 lanças e os 2 castelos) antes da data aprazada.

Logo nesse ano de 1266, o rei D. Afonso III pôde dedicar-se à outorga dos primeiros quatro forais das principais povoações do Algarve (como veremos num próximo artigo).

Rapidamente ficam definidas as linhas gerais do que viria a ser no ano seguinte (16 de fevereiro de 1267) o Tratado de Badajoz (já redigido em Castelhano e não em Latim), que numa primeira vez, regularizou os limites entre os dois reinos cristãos peninsulares, entre o Algarve e a Andaluzia, separados pelo rio Guadiana. Na zona do Alentejo ainda permaneciam algumas disputas, tais como os territórios de Serpa, Moura, Noudar e Mourão, como Olivença, Campo Maior e Ouguela e ainda Aroche e Aracena, que só ficariam definidos só em 1297, no Tratado de Alcanizes, entre D. Dinis e D. Fernando IV, com as duas últimas a ficar para Castela e os restantes para Portugal. Na verdade, ainda houve disputas pela soberania de Barrancos, aldeia entre Moura, Ensinasola e Aroche, que só se resolveu por sentença judicial de 1544.

Depois de Badajoz o Rei de Castela e Leão deixava de intitular-se Rei do Algarve e, em sentido contrário, o Rei de Portugal passava a acrescentar esse título. No entanto, e incompreensivelmente, no plano religioso, ficava acordado que o bispado de Silves, continuaria a ficar como sufragâneo da arquidiocese de Sevilha por mais de um século, até que, em 1394, viria a integrar-se definitivamente numa província eclesiástica portuguesa – a de Lisboa, na altura recentemente criada. 

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1 Sobre a doação da aldeia de Lagos e os dízimos que o rei aí cobrava, veja-se a cópia de carta de doação existente no ANTT (pesquisa online – PT/TT/CHR/B/001/0003_m0020 e 21).

Bibliografia:

Desconhecido“Crónica da Conquista do Algarve” – 1357 ? – republicada por José Pedro Machado  – Anais do Município de Faro – 1978;

HERCULANO, Alexandre – “História de Portugal” – Livro VI – 1248/79, versão digital Biblioteca Nacional em https://purl.pt/325/4/hg-27286-p/hg-27286-p_item4/hg-27286-p_PDF/hg-27286-p_PDF_24-C-R0150/hg-27286-p_0000_capa-g_t24-C-R0150.pdf

MATOSO, José (Coordenação de) – História de Portugal – Vol. II – Ed. Círculo de Leitores – 1993 – pág. 133-139

RIBEIRO, Ângelo – in “História de Portugal” Coordenação de Damião Peres – Vol. II – Barcelos – 1929; pág. 251/273;

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