1. A conquista de Silves – 1189

Sobre a conquista de Silves em 1189, pelo rei D. Sancho I, conhecemos os factos com algum pormenor a partir duma narração escrita em Latim por um cruzado que nela participou diretamente, porque aquele rei teve nessa tarefa a prestimosa ajuda de uma esquadra que vinha do Norte da Europa (Rio Escalda / Antuérpia – atual Bélgica), com flamengos e teutões, e se dirigia para a Terra Santa, naquela que ficou conhecida como a Terceira Cruzada (1189-1192).

Imagem retirada de “A História de Silves em BD”, de José Garcês,
editado pela Câmara Municipal de Silves – dez. 2016.

Fazemos aqui uma síntese dessa descrição:

Depois de partirem da Flandres, em maio de 1189, vieram os cruzados a passar por vários portos ingleses, franceses, asturianos e galegos, e fizeram uma peregrinação a Santiago de Compostela, depois da qual, a 1 de julho, iniciaram o percurso para Lisboa, que havia sido tomada 42 anos antes, também com a ajuda de outros cruzados, no tempo de D. Afonso Henriques (1147). Aqui encontraram outras naus, e deram conta de que, quatro semanas antes, outras naus de cruzados dali tinham sido para, de passagem, conquistar Alvor.

Em Lisboa o rei de Portugal, D. Sancho I, convidou-os a participar na conquista de Silves, que estava a preparar. Depois de onze dias passados em Lisboa, vieram para sul, durante três dias e duas noites, devagar, até que avistaram as ruínas do castelo de Alvor. Seguiram pelo rio Arade acima até Silves, de que viram as terras limítrofes bem trabalhadas, mas sem gente, por terem todos fugido para a cidade. Logo que aportaram, alguns por conta própria fizeram alguns danos em casas e bens que encontraram. Entraram em contacto com a vanguarda das tropas portuguesas que tinham vindo por terra e estavam acampados a 4 milhas de distância. O capitão português estava cético quanto à possibilidade de conquistar a cidade que via muito forte, mas os cruzados estavam determinados a fazê-lo e avançaram, com a cobertura dos portugueses.

É feita uma descrição geográfica de Silves, com muitas casas e mansões ameníssimas; é rodeada de muros e fossos, sem casas do lado de fora. Tinha quatro ordens de fortificações: a primeira, na zona do vale, chamado Rovale, onde havia uma torre albarrã; a maior estava no monte e chamavam-lhe Almedina (a cidade); outra fortificação, na encosta até ao vale, para proteger o canal das águas; o rio Arade ou Drade, com o seu afluente Odelouca; sobre o canal de abastecimento de água há quatro torres, na chamada Couraça; As entradas pelas portas eram muito angulosas e tortuosas, tanto que seria mais fácil subir os muros, do que passar por elas.

Logo no primeiro dia, os Mouros fizeram sair um grupo de dez cavaleiros da cidade a desafiar os cruzados, ao que estes responderam, e prepararam o assalto para o dia seguinte, com escadas. Após as primeiras escaramuças, os Mouros, subitamente, refugiaram-se na cidadela, tendo os cruzados ocupado a cidade inferior, onde passaram a noite em sossego, eles e os portugueses em campos diversos. Na madrugada seguinte (dia de Santa Maria Madalena – 22 de julho), depois da missa, atacaram a cidadela, mas a tarefa não foi fácil porque as casas não ardiam e os Mouros ofereceram brava resistência.

Oito dias depois, a 29 de julho, chegou o rei de Portugal, e o seu exército foi engrossando nos dias seguintes. No cerco construíram uma máquina, a que chamavam ouriço, e com ela intentaram romper as muralhas, mas os Mouros respondiam com estopa, azeite e fogo e queimaram parte da máquina. Mas, no dia seguinte, conseguiram repará-la e com ela derrocar uma parte do muro, coordenando com outras duas que o exército português também tinha. Ao outro dia fugiu um mouro da cidade e trouxe ao rei dois pendões da mesma, indicando que mal tomassem a couraça, logo tomariam a cidade.

Na véspera de S. Lourenço (9 de agosto), um galego chegou-se ao muro em parte derrubado e conseguiu tirar uma pedra angular. Isso estimulou os sitiantes, que continuaram também com minas (túneis) por baixo dos muros. Nessas minas fizeram uma grande fogueira, o que fez claudicar uma torre e parte do muro, posto o que puderam por escadas e subir para a cidadela. Os mouros acabaram por recuar e foram para a almedina, onde pensavam ter uma passagem segura. No dia seguinte os sitiantes continuaram a avançar com os túneis, embora com contrariados pelos Mouros, até que os Flamengos minaram o muro da cidadela.

Na véspera de Nª Sª de Assunção (14 de agosto), os Mouros formaram um esquadrão, mas um deles fugiu para os cristãos e tendo sido muito bem recebido, e comido e bebido à saciedade, queixou-se que na cidade não havia água.

A 18 de agosto os cristãos arremeteram em força contra a cidade, mas foram recebidos com tanta violência que tiveram que voltar para trás, com muitos feridos. Começou-se a achar que a tarefa era impossível de se realizar. Apesar disso, com as quatro máquinas e os túneis escavados continuaram o trabalho de assalto, fizeram outra tentativa a 22 de agosto, de madrugada, mas sem efeito prático.

A 24 de agosto os que iam numa mina encontraram-se com os Mouros que vinham em sentido contrário e houve grande luta.

Finalmente a 1 de setembro, os Mouros começaram a gritar dos muros que queriam entregar a cidade, mortos de sede. Assim trataram de negociar com o rei a entrega da cidade e o castelo com tudo o que lhes pertencesse. Os cruzados, porém, não estavam de acordo. Convieram apenas em que saíssem com o que tivessem vestido, ficando o rei com a cidade e eles com os despojos.

Assim, no dia 3 saiu da cidade o alcaide, a cavalo, com os restantes a pé, sendo que os cruzados os atacaram e saquearam, o que o rei achou muito mal e provocou desavenças entre eles. Só no dia seguinte se viu as condições em que estavam na cidade, mal alimentados, sem forças, com muitos mortos e moribundos pelas ruas. Declararam que só era dada a cada um a quantidade de água que cabia numa casca de um ovo. Mantinham-se de figos porque não tinham água para fazer pão. Também os cristãos cativos estavam muito mal. Contaram-se 15.800 pessoas na cidade. Considerava-se que Silves era muito mais forte do que Lisboa e com edifícios de mais valor, e em toda a Hispânia não havia terra mais forte, nem que fizesse mais dano aos cristãos. Os cruzados eram 3500 e as tropas do rei muitos mais, com forças das Ordens Militares do Templo, de Avis e do Hospital.

Os cruzados numa primeira fase tomaram posse dos bens da cidade e não queriam dar parte ao rei e aos portugueses, o que levou o rei a considerar que mais valia não se ter tomado a cidade.  Mas acabou por tomar esses bens e depois, na opinião dos cruzados, não os repartiu devidamente com eles, o que os levou a partir de Silves desgostosos com o rei, a 7 de setembro, em direção ao mar. Mas antes de sair a barra ainda se demoraram uns dias a fazer as necessárias reparações nos barcos, e só saíram definitivamente para o mar a 21 de setembro.

Bibliografia:

– LOPES, João Baptista da Silva“Relação da derrota naval, façanhas e sucessos dos cruzados que partirão do Escalda para a Terra Santa no anno de 1189” – Lisboa, 1844;

MATOS, Manuel Cadafaz de“A cidade de Silves num itinerário naval do século XII por um cruzado anónimo – Lisboa, 1999 – Pág. 155-280.