Desde a Antiguidade, nomeadamente da presença romana na Península Ibérica, é conhecida uma via que ligava o litoral sul às cidades de Pax Julia (Beja), Liberalitas Julia (Évora) e Olissipo (Lisboa) pela zona central do atual Algarve. Na verdade, uma das principais vias romanas do chamado Itinerário de Antonino atravessava a zona serrana por aqui.
Ao longo da Idade Média, e até ao séc. XIX, continuou a ser utilizada, em que mais não seria do que um caminho difícil, apto apenas para a passagem de animais de carga ou de sela, e que na maior parte dos troços não permitia a passagem de carroças. Seria frequentada por almocreves com as suas cargas, ou viajantes a título individual ou em funções oficiais (como os correios).
Apoiando-nos nas investigações de Maria Isabel S. Carneiro (obra citada), ficamos a saber que no início do séc. XIX, os algarvios faziam chegar à Corte queixas sobre o estado das estradas da região. Em 16 de Agosto de 1827, o Governador das Armas do Reino do Algarve enviava uma representação ao Ministério do Reino a denunciar o mau estado de conservação das “Estradas e Caminhos (…) a ponto de tornar difficil e perigoso o transito com grave prejuizo da Agricultura e do Commercio”. O poder central pareceu interessar-se pelo problema, mas nada foi feito de concreto.
Cerca de 1840, registava-se que as estradas eram “menos más na beira do mar, no barrocal porém peiores, e na serra péssimas. Algumas das povoações apenas se [comunicavam] entre si por veredas (…). As communicações com o Além Tejo (…) [eram] quasi intransitaveis.” Esta informação coincide com a referência de J. B. Silva Lopes (obra citada) quecaracterizava a estrada que passava no Ameixialcomo “péssima estrada que os almocreves seguem, principalmente no inverno, de Tavira para Lisboa”.
Um documento de 1852 salienta a importância da estrada de Faro a Loulé, como forma de ligar o “Algarve com o Alentejo, e em seguida com a capital do Reino”. Nesta década veio a ser aplicado macadame nesta estrada, em 1857, a qual foi a primeira estrada do Algarve construída nesta base.
No início dos anos setenta do século XIX, tinha-se iniciado a construção da estrada que seguiria de Faro para Castro Verde (e ligação ao Norte), mas não passava ainda de S. Brás de Alportel. Sabe-se que em 1875 se concluía o troço entre Alportel e Barranco do Velho.
Com base nos documentos citados do arquivo da JAE no Arquivo Distrital de Faro, sabemos que nos anos 80 esta primitiva estrada chegaria à freguesia de Ameixial, em dois lanços: Cortelha – Cumeada dos Cavalos, e Cumeada dos Cavalos – Ameixial. Este segundo troço, depois de aprovado em portaria de 1879, foi projetado e elaborado o seu caderno de encargos em 1884, e deverá ter sido realizado na segunda metade dessa década. Tinha uma largura de via de 4,40 m + 1,1 m de cada lado de berma, pavimentada no processo de Mac-Adam (macadame).
É de 1889 a construção da casa de cantoneiros situada na oficialmente designada Cumeada dos Cavalos, sendo que havia a ideia de fazer mais duas junto à ponte do Vascão (que nessa altura ainda não existia, mas estava prevista, necessariamente) mas nunca vieram a ser concretizadas. Neste último ano, numa listagem do Diário do Governo de 8-3-1889, a estrada era designada por Estrada Real de 1º ordem nº 17.
Vários anos mais tarde, num mapa das estradas de 1907, publicado pela União Velocipédica Portuguesa, vimos a interrupção da estrada na zona da freguesia, sendo que nenhuma estrada nacional, por essa altura, comunicava entre o Algarve e o Alentejo.
Também pelos documentos da Junta Autónoma das Estradas (JAE) citados ficamos a saber que o lanço entre o Ameixial e a ribeira do Vascão (fronteira Alentejo-Algarve) foi feito entre 1912 e 1913, já como Estrada Nacional nº 17, em duas empreitadas: a da terraplanagem pela empresa de José de Sousa Chumbinho Júnior; e a da pavimentação, pela empresa de Joaquim Inácio Mendes, ambas de Faro. Estava concluído em 28-04-1913.
A ponte sobre a ribeira do Vascão (no limite do distrito) foi lançada a concurso pela Direção de Obras Públicas do Distrito de Faro, em 1911, tendo sido adjudicada em junho de 1912, a uma empresa em nome de José Mendes Tengarrinha, de Faro, com os trabalhos a começarem em setembro seguinte. A obra estava concluída em dezembro de 1913, com um custo final de 13 900$000 réis, contando com um orçamento adicional. Note-se que a gestão do processo foi então das Obras Públicas do Distrito de Faro, quando desde há muitos anos a ponte é gerida pela Direção de Estradas do Distrito de Beja, conforme placa que tem afixada no seu topo sul.
Mas esta estrada não era ainda aquilo que os algarvios necessitavam e a crescente evolução dos transportes exigia.
Conforme nos continua a informar Maria Isabel S. Carneiro (obra citada), em 1915, no primeiro Congresso Regional do Algarve, o deputado Agostinho Lúcio dizia “O Algarve é constituído por (…) duas partes muito distintas, litoral e serra (…). Esta area que é muito irregular e parcamente provida de estradas, deixa ver logo pelo exame do mappa de viação do Districto, que se a facha do litoral é regularmente servida dos necessários meios de comunicação urbana e rural; a serra, essa é duma pobreza de meios de viação, que não se sabe como melhor explica-la, se por abandono a que são votadas essas miseras estações sertanejas, se á ignorância, se á indiferença dos poderes superiores, pelo estado, em que vivem esses desventurados habitantes da cadeia de montanhas, que partindo da Foya de Monchique se estendem á margem direita do Guadiana.”
Mas a ocasião era difícil no país, em termos económicos e a participação na guerra ainda dificultou mais as coisas. Só em 1930 teria sido terminado o troço entre Faro e Aljustrel, nesta primeira versão, e que passou a ser definida na listagem de estradas nacionais de agosto de 31 de agosto 1926 como Estrada Nacional nº 19, entre Cacilhas e Faro.
Foi também neste período (1927-30) que a Câmara Municipal de Loulé procedeu à abertura da estrada entre Loulé e o Barranco do Velho, também importante para a ligação das populações do norte do concelho com a respetiva sede, porque evitava o rodeio por S. Brás de Alportel.
Nesta época, a maior parte dos transportes continuava a ser em veículos de tração animal, ao mesmo tempo que iam aumentando os veículos automóveis, numa primeira fase a vapor, com o carvão como combustível. Este tipo de transportes justificaria a sinuosidade do percurso através da serra, para permitir aos animais fazerem o seu caminho sem demasiado esforço.
Nos anos do Estado Novo voltou a haver interesse e condições para investir a fundo nas obras públicas, sob a visão e o comando do ministro das Obras Públicas e Comunicações, o louletano Engº Duarte Pacheco (ministro entre 1932-36 e 1938-43). Sob o seu impulso, foi levada a cabo uma política de infraestruturas, na qual as estradas têm a segunda maior despesa, quando foram dadas à Junta Autónoma de Estradas (JAE – criada em 1927), as condições para fazer o seu trabalho, pelo Decreto-Lei nº 23 239, de 20 de novembro de 1933. Este desenvolvimento ainda continuou nos anos seguintes à sua morte prematura (1943), tendo-se realizado em 1948 no Instituto Superior Técnico, em Lisboa uma grande exposição das Obras Públicas. Esta expansão da rede viária foi causa e efeito da grande explosão do transporte automóvel em geral e da camionagem em particular nos anos 30 e 40.
Novamente pelos arquivos da JAE ficamos a saber que foi neste contexto que a estrada foi requalificada (alargada, retificada e alcatroada) ainda nos anos 1930, sendo que o troço entre Almodôvar e S. Brás de Alportel foi adjudicado em junho de 1934 à empresa Mesquita, Lda., com sede em Lisboa, na Rua dos Fanqueiros, nº 91, tendo como sócio gerente Manuel Gomes Meleiro, pelo valor da época (em Escudos) de 3 957 840$00, e realizada nos três anos seguintes. A estrada passava a ter 6,60 m de faixa de rodagem. Nessa empreitada entrava também a construção de três casas de cantoneiros: Vale Maria Dias, Barranco do Velho e Bicas da Serra, cujas fachadas ostentam, ainda hoje, a data de 1937.
Desta época será também o Miradouro do Caldeirão, embora fora daquela empreitada, construção em plataforma quadrangular, a 575 m de altitude, com as paredes em pedra de xisto regional.
Alguns anos depois, em 1945-46, a Direção de Estradas do Distrito de Faro, da JAE, realizou ainda importantes trabalhos de finalização do alargamento na estrada na aldeia do Ameixial que, em complemento, implicaram alterações e melhoramentos no casario da aldeia, que se podem ver ainda hoje no exterior da igreja, da escola primária, do cemitério e de muitas casas junto à estrada.
Era nessa época Diretor de Estradas de Faro da JAE o Engº Joaquim Barata Correia (ou Corrêa, como então escrevia, nascido na Sertã – 1898, e falecido em Lisboa – 1955), que iniciou funções de Engenheiro Ajudante, em 1927, e foi seu Diretor, de 1935 a 1946. Citamos aqui esta figura porque ela foi muito importante na reconstrução da estrada, mas também na intervenção que foi feita na aldeia do Ameixial, em que ele deixou uma marca profunda que ainda hoje perdura, e durante muito tempo estará impressa na arquitetura local e na imagem externa da própria localidade.
Tal como foi importante para o concelho de Loulé, onde também trabalhou na Câmara Municipal, tendo ficado ligado à abertura da antiga Av. Marechal Carmona (hoje 25 de Abril), do antigo Centro de Saúde e às redes de água e saneamento de Loulé. Também foi relevante para o Algarve em geral. Por sua obra no concelho, a Câmara de Loulé atribuiu-lhe um louvor, e todos os municípios do Algarve o homenagearam pelo trabalho realizado na província, em toda a sua rede de viação, quando, no final de 1946, deixou o cargo no distrito de Faro e foi ocupar o mesmo lugar no distrito de Lisboa. Já tinha também o seu nome numa rua da cidade de Loulé, desde 1936.
Voltando à EN 2, o Plano Rodoviário Nacional de 1945 (Decreto-Lei 34593, de 11-5-1945) organizou uma nova classificação e numeração das estradas nacionais, tendo a antiga EN 19 passado a integrar na sua parte mais a sul (Torrão a Faro) a nova Estrada Nacional nº 2, entre Chaves e Faro, com uma distância total de 738,5 Km, com a apresentação que praticamente tem ainda hoje, pelo centro longitudinal do país, e sendo a maior estrada de Portugal e uma das maiores da Europa.
Nota: O texto deste artigo foi na generalidade publicado no livro do autor com a monografia sobre a freguesia de Ameixial—Loulé – CMLoulé e JF Ameixial – 2020, cuja versão online pode ser encontrada em https://jf-ameixial.pt/ e depois emFreguesia /Galeria / Publicações.
Bibliografia consultada
– CARNEIRO, Maria Isabel S. – “As Casas dos Cantoneiros do Algarve: da conservação das estradas a património a conservar” – Tese de dissertação de mestrado – Universidade Aberta – Lisboa 2011. (versão online);
– LOPES, João Baptista Silva – “Corografia ou Memória Económica, Estatística e Topográfica do Reino do Algarve” – 1841. Reeditado pela Algarve em Foco em 1988.
– Documentos do Arquivo Distrital de Faro:
– PT/ADFAR/ACD/JAE/113/0002; 113/0012; 113/0015; 113/0016; 113/0018; 125 (construção Estrada Nacional nº 17 – Ameixial /Ribeira do Vascão e Ponte do Vascão – 1912-13);
– PT/ADFAR/ACD/JAE/113/0028; 113/0032; 113/0035; 169/0055; 169/0120; 65; 169/0055; 125 (construção da Estrada Nacional nº 19 e Ameixial – 1934-49);