43 – A construção da atual Estrada Nacional 2 no Algarve

Desde a Antiguidade, nomeadamente da presença romana na Península Ibérica, é conhecida uma via que ligava o litoral sul às cidades de Pax Julia (Beja), Liberalitas Julia (Évora) e Olissipo (Lisboa) pela zona central do atual Algarve. Na verdade, uma das principais vias romanas do chamado Itinerário de Antonino atravessava a zona serrana por aqui.

Ao longo da Idade Média, e até ao séc. XIX, continuou a ser utilizada, em que mais não seria do que um caminho difícil, apto apenas para a passagem de animais de carga ou de sela, e que na maior parte dos troços não permitia a passagem de carroças. Seria frequentada por almocreves com as suas cargas, ou viajantes a título individual ou em funções oficiais (como os correios).

Apoiando-nos nas investigações de Maria Isabel S. Carneiro (obra citada), ficamos a saber que no início do séc. XIX, os algarvios faziam chegar à Corte queixas sobre o estado das estradas da região. Em 16 de Agosto de 1827, o Governador das Armas do Reino do Algarve enviava uma representação ao Ministério do Reino a denunciar o mau estado de conservação das “Estradas e Caminhos (…) a ponto de tornar difficil e perigoso o transito com grave prejuizo da Agricultura e do Commercio”. O poder central pareceu interessar-se pelo problema, mas nada foi feito de concreto.

Cerca de 1840, registava-se que as estradas eram “menos más na beira do mar, no barrocal porém peiores, e na serra péssimas. Algumas das povoações apenas se [comunicavam] entre si por veredas (…). As communicações com o Além Tejo (…) [eram] quasi intransitaveis.” Esta informação coincide com a referência de J. B. Silva Lopes (obra citada) quecaracterizava a estrada que passava no Ameixialcomo “péssima estrada que os almocreves seguem, principalmente no inverno, de Tavira para Lisboa”.

Um documento de 1852 salienta a importância da estrada de Faro a Loulé, como forma de ligar o “Algarve com o Alentejo, e em seguida com a capital do Reino”. Nesta década veio a ser aplicado macadame nesta estrada, em 1857, a qual foi a primeira estrada do Algarve construída nesta base.

No início dos anos setenta do século XIX, tinha-se iniciado a construção da estrada que seguiria de Faro para Castro Verde (e ligação ao Norte), mas não passava ainda de S. Brás de Alportel. Sabe-se que em 1875 se concluía o troço entre Alportel e Barranco do Velho.

Com base nos documentos citados do arquivo da JAE no Arquivo Distrital de Faro, sabemos que nos anos 80 esta primitiva estrada chegaria à freguesia de Ameixial, em dois lanços: Cortelha – Cumeada dos Cavalos, e Cumeada dos Cavalos – Ameixial. Este segundo troço, depois de aprovado em portaria de 1879, foi projetado e elaborado o seu caderno de encargos em 1884, e deverá ter sido realizado na segunda metade dessa década. Tinha uma largura de via de 4,40 m + 1,1 m de cada lado de berma, pavimentada no processo de Mac-Adam (macadame).

É de 1889 a construção da casa de cantoneiros situada na oficialmente designada Cumeada dos Cavalos, sendo que havia a ideia de fazer mais duas junto à ponte do Vascão (que nessa altura ainda não existia, mas estava prevista, necessariamente) mas nunca vieram a ser concretizadas.  Neste último ano, numa listagem do Diário do Governo de 8-3-1889, a estrada era designada por Estrada Real de 1º ordem nº 17.

Vários anos mais tarde, num mapa das estradas de 1907, publicado pela União Velocipédica Portuguesa, vimos a interrupção da estrada na zona da freguesia, sendo que nenhuma estrada nacional, por essa altura, comunicava entre o Algarve e o Alentejo.

Também pelos documentos da Junta Autónoma das Estradas (JAE) citados ficamos a saber que o lanço entre o Ameixial e a ribeira do Vascão (fronteira Alentejo-Algarve) foi feito entre 1912 e 1913, já como Estrada Nacional nº 17, em duas empreitadas: a da terraplanagem pela empresa de José de Sousa Chumbinho Júnior; e a da pavimentação, pela empresa de Joaquim Inácio Mendes, ambas de Faro. Estava concluído em 28-04-1913.

A ponte sobre a ribeira do Vascão (no limite do distrito) foi lançada a concurso pela Direção de Obras Públicas do Distrito de Faro, em 1911, tendo sido adjudicada em junho de 1912, a uma empresa em nome de José Mendes Tengarrinha, de Faro, com os trabalhos a começarem em setembro seguinte. A obra estava concluída em dezembro de 1913, com um custo final de 13 900$000 réis, contando com um orçamento adicional. Note-se que a gestão do processo foi então das Obras Públicas do Distrito de Faro, quando desde há muitos anos a ponte é gerida pela Direção de Estradas do Distrito de Beja, conforme placa que tem afixada no seu topo sul.                       

Mas esta estrada não era ainda aquilo que os algarvios necessitavam e a crescente evolução dos transportes exigia.

Conforme nos continua a informar Maria Isabel S. Carneiro (obra citada), em 1915, no primeiro Congresso Regional do Algarve, o deputado Agostinho Lúcio dizia “O Algarve é constituído por (…) duas partes muito distintas, litoral e serra (…). Esta area que é muito irregular e parcamente provida de estradas, deixa ver logo pelo exame do mappa de viação do Districto, que se a facha do litoral é regularmente servida dos necessários meios de comunicação urbana e rural; a serra, essa é duma pobreza de meios de viação, que não se sabe como melhor explica-la, se por abandono a que são votadas essas miseras estações sertanejas, se á ignorância, se á indiferença dos poderes superiores, pelo estado, em que vivem esses desventurados habitantes da cadeia de montanhas, que partindo da Foya de Monchique se estendem á margem direita do Guadiana.”

Mas a ocasião era difícil no país, em termos económicos e a participação na guerra ainda dificultou mais as coisas. Só em 1930 teria sido terminado o troço entre Faro e Aljustrel, nesta primeira versão, e que passou a ser definida na listagem de estradas nacionais de agosto de 31 de agosto 1926 como Estrada Nacional nº 19, entre Cacilhas e Faro.

Foi também neste período (1927-30) que a Câmara Municipal de Loulé procedeu à abertura da estrada entre Loulé e o Barranco do Velho, também importante para a ligação das populações do norte do concelho com a respetiva sede, porque evitava o rodeio por S. Brás de Alportel.

Nesta época, a maior parte dos transportes continuava a ser em veículos de tração animal, ao mesmo tempo que iam aumentando os veículos automóveis, numa primeira fase a vapor, com o carvão como combustível. Este tipo de transportes justificaria a sinuosidade do percurso através da serra, para permitir aos animais fazerem o seu caminho sem demasiado esforço.

Nos anos do Estado Novo voltou a haver interesse e condições para investir a fundo nas obras públicas, sob a visão e o comando do ministro das Obras Públicas e Comunicações, o louletano Engº Duarte Pacheco (ministro entre 1932-36 e 1938-43).  Sob o seu impulso, foi levada a cabo uma política de infraestruturas, na qual as estradas têm a segunda maior despesa, quando foram dadas à Junta Autónoma de Estradas (JAE – criada em 1927), as condições para fazer o seu trabalho, pelo Decreto-Lei nº 23 239, de 20 de novembro de 1933. Este desenvolvimento ainda continuou nos anos seguintes à sua morte prematura (1943), tendo-se realizado em 1948 no Instituto Superior Técnico, em Lisboa uma grande exposição das Obras Públicas. Esta expansão da rede viária foi causa e efeito da grande explosão do transporte automóvel em geral e da camionagem em particular nos anos 30 e 40.

Novamente pelos arquivos da JAE ficamos a saber que foi neste contexto que a estrada foi requalificada (alargada, retificada e alcatroada) ainda nos anos 1930, sendo que o troço entre Almodôvar e S. Brás de Alportel foi adjudicado em junho de 1934 à empresa Mesquita, Lda., com sede em Lisboa, na Rua dos Fanqueiros, nº 91, tendo como sócio gerente Manuel Gomes Meleiro, pelo valor da época (em Escudos) de 3 957 840$00, e realizada nos três anos seguintes. A estrada passava a ter 6,60 m de faixa de rodagem. Nessa empreitada entrava também a construção de três casas de cantoneiros: Vale Maria Dias, Barranco do Velho e Bicas da Serra, cujas fachadas ostentam, ainda hoje, a data de 1937.

Desta época será também o Miradouro do Caldeirão, embora fora daquela empreitada, construção em plataforma quadrangular, a 575 m de altitude, com as paredes em pedra de xisto regional.

Alguns anos depois, em 1945-46, a Direção de Estradas do Distrito de Faro, da JAE, realizou ainda importantes trabalhos de finalização do alargamento na estrada na aldeia do Ameixial que, em complemento, implicaram alterações e melhoramentos no casario da aldeia, que se podem ver ainda hoje no exterior da igreja, da escola primária, do cemitério e de muitas casas junto à estrada.

Era nessa época Diretor de Estradas de Faro da JAE o Engº Joaquim Barata Correia (ou Corrêa, como então escrevia, nascido na Sertã – 1898, e falecido em Lisboa – 1955), que iniciou funções de Engenheiro Ajudante, em 1927, e foi seu Diretor, de 1935 a 1946. Citamos aqui esta figura porque ela foi muito importante na reconstrução da estrada, mas também na intervenção que foi feita na aldeia do Ameixial, em que ele deixou uma marca profunda que ainda hoje perdura, e durante muito tempo estará impressa na arquitetura local e na imagem externa da própria localidade.

Tal como foi importante para o concelho de Loulé, onde também trabalhou na Câmara Municipal, tendo ficado ligado à abertura da antiga Av. Marechal Carmona (hoje 25 de Abril), do antigo Centro de Saúde e às redes de água e saneamento de Loulé. Também foi relevante para o Algarve em geral. Por sua obra no concelho, a Câmara de Loulé atribuiu-lhe um louvor, e todos os municípios do Algarve o homenagearam pelo trabalho realizado na província, em toda a sua rede de viação, quando, no final de 1946, deixou o cargo no distrito de Faro e foi ocupar o mesmo lugar no distrito de Lisboa. Já tinha também o seu nome numa rua da cidade de Loulé, desde 1936.

Voltando à EN 2, o Plano Rodoviário Nacional de 1945 (Decreto-Lei 34593, de 11-5-1945) organizou uma nova classificação e numeração das estradas nacionais, tendo a antiga EN 19 passado a integrar na sua parte mais a sul (Torrão a Faro) a nova Estrada Nacional nº 2, entre Chaves e Faro, com uma distância total de 738,5 Km, com a apresentação que praticamente tem ainda hoje, pelo centro longitudinal do país, e sendo a maior estrada de Portugal e uma das maiores da Europa.

Nota: O texto deste artigo foi na generalidade publicado no livro do autor com a monografia sobre a freguesia de Ameixial—Loulé – CMLoulé e JF Ameixial – 2020, cuja versão online pode ser encontrada em https://jf-ameixial.pt/  e depois emFreguesia /Galeria / Publicações.

Bibliografia consultada

CARNEIRO, Maria Isabel S. – “As Casas dos Cantoneiros do Algarve: da conservação das estradas a património a conservar” – Tese de dissertação de mestrado – Universidade Aberta – Lisboa 2011. (versão online);

–  LOPES, João Baptista Silva “Corografia ou Memória Económica, Estatística e Topográfica do Reino do Algarve” – 1841. Reeditado pela Algarve em Foco em 1988.

– Documentos do Arquivo Distrital de Faro:

       – PT/ADFAR/ACD/JAE/113/0002; 113/0012; 113/0015; 113/0016; 113/0018; 125 (construção Estrada Nacional nº 17 – Ameixial /Ribeira do Vascão e Ponte do Vascão – 1912-13);

        – PT/ADFAR/ACD/JAE/113/0028; 113/0032; 113/0035; 169/0055; 169/0120; 65; 169/0055; 125 (construção da Estrada Nacional nº 19 e Ameixial – 1934-49);

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42 – Mosteiros e Conventos

Habitualmente há alguma indefinição entre os significados dos vocábulos mosteiro
e convento na nossa tradição popular.

Na verdade, têm alguma diferença entre si, porque designando conteúdos semelhantes, referem-se a realidades diferentes que têm a ver com a sua origem e tempo histórico de cada um. Como sempre, não querendo ter a palavra final sobre o assunto, vejamos o que podemos acrescentar sobre o tema:

A palavra Mosteiro (do grego monasterion, e depois do latim monasterium) designa geralmente um grande complexo arquitetónico polivalente, situado em espaço ermo, portanto distante de qualquer povoação, pelo menos no tempo da sua construção, porque depois acontece que o próprio complexo pode dar origem a uma nova povoação, ou simplesmente ser envolvido por uma já existente a alguma distância. Nos primeiros séculos os mosteiros eram principalmente masculinos, e só mais tarde surgem os femininos, em maior ou menor grau de clausura monástica (portanto, afastadas da convivência com a população exterior) em que os internos dedicam a sua vida à devoção religiosa e ao trabalho (do lema “ora et labora”), de onde tiram o seu sustento e o da instituição onde vivem. Assim, para além das horas que dedicam à contemplação, à oração e às cerimónias religiosas, a verdadeira essência da sua vida, precisam de trabalhar na agricultura, nos ofícios artesanais, ou ainda nas atividades intelectuais (leitura, estudo, cópia de livros), ou na saúde das populações vizinhas (criando enfermarias), ou até no apoio dos viajantes e peregrinos (hospedarias). Os seus habitantes são designados por monges (ou monjas), e são dirigidos por um abade (ou abadessa) em cada mosteiro.

A criação dos mosteiros iniciou-se no séc. VI com S. Bento de Núrsia que fundou o primeiro mosteiro em Montecassino – Itália, em 529, e aí estabeleceu a Regra (regulamento rígido para ser seguido em todos os mosteiros beneditinos que haveriam de se espalhar por toda a Europa Ocidental, numa fase de grande divisão política após a queda do Império Romano do Ocidente, e com uma população essencialmente ruralizada, em que a Igreja assumiu o papel de elemento aglutinador de toda a Europa Ocidental. Ao longo dos séculos vieram a formar-se variantes da linha original beneditina, como a de Cister (Citeux – S. Bernardo – Clairvaux), a de Cluny (S. Odão), ou a Cartuxa (S. Bruno-Chartreuse), que praticavam o mesmo tipo de vida.

Pelas características de vida atrás assinaladas, os mosteiros são geralmente grandes complexos arquitetónicos, com todos os equipamentos que eram necessários à sua função: igreja (o único espaço com acesso ao público), salas (sendo a principal, a do capítulo), cozinha e refeitório, dormitórios, oficinas, celeiro, lagar, adega, estábulo, etc.

Aos mosteiros, e aos monges nele instalados, deve o Ocidente muito do conhecimento da cultura clássica (greco-romana), através das cópias manuscritas que fizeram das obras escritas em grego e latim na Antiguidade. Também na agricultura, pelas condições que tinham, e pela extensão dos seus territórios, geralmente doados pela Coroa, desenvolveram a economia das regiões onde estavam estabelecidos, e fomentaram as técnicas e a produção de todos o género de alimentos. Em Portugal reconhece-se a importância do mosteiro de Alcobaça para a agricultura de toda a região do Oeste.

Já na baixa Idade Média, num contexto histórico diferente, marcado pelas Cruzadas e pelo desenvolvimento urbano, vão surgir novas Ordens Religiosas mais abertas à sociedade por toda a Europa. Vão estabelecer-se nas cidades, em estabelecimentos que a pouco e pouco vão passar a ser designados por Conventos (do latim Conventus), e que sendo também habitados por homens ou mulheres que devotaram a sua vida à religião (designados por frades ou freiras), têm esta característica de se instalarem em espaço urbano. Apesar de terem também o seu espaço de recolhimento e clausura interior, não têm a importante componente do trabalho agrícola ou artesanal, por que não têm esse espaço disponível, e podem abrir-se à ação religiosa ou social sobre as populações vizinhas, especialmente os masculinos, a quem a população recorre para os ofícios religiosos. Já os conventos femininos são
mais restritos e a clausura é mais intensa, dedicando-se as freiras, para além da vida religiosa, às atividades domésticas – doçaria, apoio às atividades litúrgicas e lavores femininos. Não dependendo do seu trabalho manual dos frades ou freiras, os conventos viviam dos ofícios religiosos, das doações pias e do apoio da Coroa.

Nos primeiros tempos destas novas Ordens Religiosas ainda se identificam situações em que são designadas por mosteiros, em função da sua localização, embora a atividade dos frades esteja mais inserida na sociedade civil. Por exemplo, no séc. XIV, em Loulé, o cenóbio dos Franciscanos era habitualmente designado ainda por Mosteiro de Sam Francisco.

Os conventos são normalmente mais pequenos do que os mosteiros e são compostos por capela/igreja (aberta ao exterior), cozinha e refeitório, dormitórios, salas (capítulo, ou de trabalho) e o emblemático claustro central.

As ordens religiosas são muitas e derivam em grande parte da regra de S. Francisco de Assis, que criou os Franciscanos em Assis – Itália, no séc. XIII, e do seu ramo feminino, criado por S. Clara, também de Assis, as Clarissas. Numa base de total dependência do que lhes davam em troca da sua ação religiosa, são chamadas Ordens Mendicantes, onde se destacam, para além dos Franciscanos, também os Dominicanos (S. Domingos de Gusmão). Depois, muitas outras foram surgindo, com algumas variantes entre si, mas com o mesmo modelo de vida, segundo os votos clássicos de pobreza, obediência e castidade, muitas vezes com designações curiosas de origem popular: Agostinhos (Santo Agostinho – Crúzios, Recoletos, Descalços -“Grilos”), Dominicanos (S. Domingos de Gusmão), Carmelitas (Monte Carmelo – Santo Alberto), Camilianos (S. Camilo de Lélis), Jerónimos (S. Jerónimo), Lóios (Santo Elói), Redentoristas (Santíssimo Redentor), Trinitários (Santíssima Trindade – “Trinos”), Teatinos (S. Caetano), Salesianos (S. Francisco de Sales), Doroteias (Irmãs Doroteias), Concepcionistas (S. Beatriz da Silva), etc.

Ambos os tipos de instituições que acabámos de citar se desenvolveram ao longo da Idade Média e Moderna, tendo sofrido grande impacto negativo com o advento do Liberalismo, nos finais do séc. XVIII e no XIX, em que foram reduzidas de forma muito significativa, tendo acabado por ser extintas em grande parte, como no caso português após 1834, em que foram fechados de imediato todos os cenóbios masculinos, e aos femininos foi permitida a sua existência até à morte da última freira de cada convento.

 

41 – Modelos de locais de culto religioso

Muitas vezes vemos e lemos referência a locais de culto religioso que não primam pela precisão com que são designados, quer na linguagem popular, quer mesmo em órgãos de comunicação social de grande difusão.

De um modo geral, os edifícios destinados ao culto religioso podem ser designados por templos, expressão que pode ser aplicada a qualquer religião. Mas, se quisermos ser mais precisos, e tendo apenas em conta as religiões, ou variantes delas, que estão mais inseridas na nossa sociedade, temos que identificar as igrejas (para o Cristianismo-Catolicismo), as mesquitas (Islamismo); as sinagogas (Judaísmo), e a designação genérica de salões (Testemunhas de Jeová, Cristãos Evangélicos).

Quanto aos locais de culto específicos da religião cristã/católica, mais arreigada historicamente na nossa sociedade, e por isso mais abundantes nas nossas povoações, também há muitas variantes que podem aqui ser sintetizadas:

Catedral, sé catedral, ou simplesmente , identifica a igreja principal de uma diocese, onde o respetivo bispo preside às principais cerimónias religiosas, e que deriva o seu nome da cadeira (do grego katedra, e do latim cathedra), onde se senta, e que ocupa um local especial no altar-mor da mesma. Se na Europa em geral a designação é habitual é a de catedral, em Portugal usa-se principalmente o termo (do latim sedes, também com o significado de assento). Nos casos em que uma diocese está dividida por dois territórios, a catedral pode partilhar com outra igreja essa função, tomando então a outra o nome de concatedral, como por exemplo em Bragança-Miranda e Portalegre – Castelo Branco, onde isso acontece com Miranda do Douro e Castelo Branco, respetivamente.

Basílica designa uma igreja à qual a Santa Sé outorgou um título honorífico, em razão da sua importância religiosa ou riqueza artística. Originariamente era um tipo de construção muito usado pelos Romanos para albergarem grandes assembleias políticas ou de outros tipos, que depois a Igreja utilizou como modelo para os seus templos. Muitas vezes está associada a uma intervenção de algum rei que a mandou construir ou lhe prestou alguma devoção especial que o levou a solicitar ao Papa essa honra. Em Portugal temos os casos de Fátima, Mafra, Estrela (Lisboa) e Castro Verde.

Igreja (do grego, e depois latim, eclesia = assembleia) é a designação mais comum dos locais de culto católicos em Portugal, identificando um edifício constituído por um espaço amplo para o público em geral, um altar-mor e alguns altares secundários no seu interior. Tomam a designação da localidade onde se inserem, ou do santo padroeiro, quando na mesma localidade há mais do que uma igreja. Pode ser a sede de uma paróquia (a freguesia religiosa, designando-se igreja paroquial), ou um templo sem qualquer outra importância administrativo-religiosa. À principal igreja de uma localidade também se dá o nome de matriz (no sentido de mãe, que dá origem a).

Capela designa um pequeno templo católico, autónomo em termos arquitetónicos, ou cada uma das dependências (altares secundários), com alguma dimensão interior, de uma igreja mais ampla, em qualquer dos casos sempre dedicado a um determinado santo ou entidade sagrada.

Ermida é outro tipo de templo católico, geralmente do tipo de uma capela, mas com a caraterística específica de estar situada num espaço isolado, ermo, em relação a qualquer aglomerado urbano. No entanto, pela sua antiguidade, pode ter sido ao longo do tempo envolvida pela malha urbana criada à sua volta, ou pela extensão de alguma povoação inicialmente distante. É o que explica o nome tradicional de ermidas em algumas capelas hoje completamente no interior de povoações.

Oratório é um pequeno espaço dedicado à devoção pessoal ou familiar, geralmente de âmbito doméstico, que se encontra geralmente em palácios e solares da corte ou particulares.

Santuário designa um local sagrado, dedicado a uma figura divina ou a um humano com fama de santidade, ao qual acorrem muitas pessoas em peregrinação, ao longo do ano, ou em datas especiais de festa e romaria em honra do orago. Nesse local normalmente existe alguma igreja, capela ou ermida, com imagem ou relíquias que a população venera e às quais recorre devotamente. Fátima, Braga (Bom Jesus e Sameiro), Terras de Bouro (S. Bento da Porta Aberta), Loulé (Nª Senhora da Piedade), são exemplos.

40A- Os Antigos Conventos de Loulé

B – Convento dos Grilos

   Av. Marçal Pacheco – Loulé

É o edifício tradicionalmente conhecido por Hospital de Loulé, ou da Misericórdia, na Rua Marçal Pacheco.

Hospital de Loulé —Aqui teria funcionado inicialmente uma albergaria medieval, que o rei D. Afonso V terá transformado em hospital dedicado a Nossa Senhora dos Pobres, no ano de 1471, primeiramente para se “nele curarem os soldados, depois que se recolheram da tomada de Tânger”. No século XV e XVI teria sido gerido por uma confraria própria, até 1570, quando D. Sebastião passou a instalação hospitalar para a Mesa da Misericórdia de Loulé.

Em 1683 passou a ser gerida por um clérigo louletano –  o Padre João do Aguiar Ribeiro, e assim esteve até cerca de 1695 ou 1696, altura da sua morte.

Em 1696 o rei D. Pedro II entrega o hospital à Ordem de Santo Agostinho – Agostinhos Descalços, os Grilos (derivado ao seu hábito) que lhe deu o nome popular, enquanto oficialmente passava a ostentar o nome de Hospital Real de Nossa Senhora dos Pobres (até 1910).

Os Grilos geriram o hospital até 1820, ano em que foi extinto o convento dos Agostinhos Descalços de Loulé, e nessa data passou novamente para a Misericórdia, por decisão de D. João VI. Por esta altura, todos os serviços da Misericórdia, incluindo a sua igreja, passaram para este edifício. A antiga igreja da Misericórdia situava-se junto ao Largo dos Inocentes (na área onde hoje é a CGD), foi profanada em 1826, e foi comprada em 1837 pelo Padre José de Santo Agostinha Teixeira, pároco de Salir, por 30.500réis.

Em 1838, D. Maria II manda reservar uma parte do hospital para as tropas do Coronel Fontoura, no tempo das guerrilhas miguelistas.

Ao longo dos séculos XIX e XX o hospital continuou sob a gestão da Santa Casa da Misericórdia de Loulé, até 1976, quando o Estado nacionalizou os hospitais das Misericórdias. Assim esteve na posse do Estado até 2005, quando volta a ser devolvido à Santa Casa, e em 2011 passou a ser o Hospital de Loulé, SA, de gestão privada, mas em que a infraestrutura é pertença da Misericórdia.

Para além do hospital, funcionaram também nas suas instalações, ao longo dos tempos, um recolhimento feminino, lazareto, albergue de pobres, etc.

A parte mais antiga era a da sua fachada poente (Rua Marçal Pacheco), com a igreja ao centro e duas alas laterais. Também ainda é visível um pequeno claustro interior. As instalações foram, ao longo dos séculos recebendo várias adaptações arquitetónicas, enquanto que a sua relação com a citada rua em frente também se alterou com a abertura da nova estrada para Faro (década de 1880), nomeadamente o seu desnível.

Destacamos a fachada da igreja, com o seu portal manuelino (princípios do séc. XVI) e o cruzeiro em frente.

C – Convento do Espírito Santo

  Rua Vice-Almirante Cândido dos Reis

Único convento feminino de Loulé, dedicado a N. Senhora da Conceição. Era um dos quatro conventos femininos do Algarve (Faro, Loulé, Tavira e Lagos), e também o único que ficava instalado intramuros da vila de Loulé.

Terá sido fundado em 1684 e começou por ser uma casa de recolhimento de mulheres pobres, que terão transitado do recolhimento do convento dos Grilos, as quais habitaram o espaço antes das freiras franciscanas, que ali se instalaram por finais do século XVII. A Câmara Municipal doou-lhes a capela de Nossa Senhora da Conceição e alguns terrenos anexos, com os quais o convento foi crescendo. Sendo franciscanas, estas seguiriam o modelo das freiras clarissas (Santa Clara) e ali estiveram até 1836, quando as últimas foram enviadas para o convento similar de Nossa Senhora da Assunção de Faro.

Foi fechado e vendido em hasta pública nessa altura, ficando o Estado com a parte principal do prédio, onde depois funcionou o Tribunal.

Notável claustro de finais de setecentos, com dois níveis e com arcos abatidos, talvez de inspiração no claustro do convento dos Capuchos, e a igreja, que foi dividida em dois níveis na sua altura, e neles passaram a funcionar uma sala de teatro, e depois a sala de audiências do tribunal e outros serviços da CML (hoje auditório e oficina do Museu Municipal).

D – Convento de Santo António dos Olivais

  Rua Nossa Senhora da Piedade

Foi fundado em 1546, porNuno Rodrigues Barreto, Morgado de Quarteira entre 1521 e 1557, Alcaide-mor de Faro e Fronteiro-mor do Algarve, e sua mulher D. Leonor de Millá (ou Milão). Eram os pais da famosa D. Francisca de Aragão, uma das musas da Luís de Camões. Convento de Santo António 02O convento era de frades franciscanos Capuchos, da Ordem da Piedade, e o nome Olivais deriva do topónimo em que estava inserido, a poente da vila de Loulé.

O edifício conventual patrocinado pelo citado morgado de Quarteira situava-se numa zona baixa da propriedade, próximo do ribeiro ainda hoje existente, e veio a ser fortemente danificado em 24 de outubro de 1587, por uma enxurrada de grandes proporções, a qual ficou historicamente conhecida como o “dilúvio de Loulé”. Mais tarde, entre 1675 e 1692, foi construído um novo convento num lugar próximo, mas mais alto, doado por André de Ataíde (o que se conhece hoje).

Qualquer das duas localizações que teve, ficava em linha de vista, a três centenas de metros de distância, da ermida de Nossa Senhora da Piedade, marco do património cultural das gentes louletanas, que teria sido erguida alguns anos depois (1553) do primeiro edifício conventual.

Nada se conhece do primeiro edifício, mas do segundo ainda é possível observar a sua igreja (restaurada nos anos 1980, e onde a CML tem desenvolvido atividades culturais) e o claustro seiscentistas, este a carecer de obras urgentes de reparação, porque é, no meu modesto entender, o espaço mais nobre, arquitetonicamente falando, do conjunto.

É Imóvel de Interesse Público por Despacho de 4 de janeiro de 1984.

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Bibliografia:

– OLIVEIRA, F. X. Ataíde Oliveira – “Monografia do Concelho de Loulé” – Algarve em Foco Editora – 1986;

– SANTOS, Marco Sousa – “A Santa Casa da Misericórdia de Loulé” – Vol. I – Ed. S C M Loulé – 2019.

– SIMÕES, João Miguel – “História Económica, Social e Urbana de Loulé” – Caderno 7 do Arquivo Municipal de Loulé.

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40 – Os Antigos Conventos de Loulé

Fazendo parte integrante da população das vilas e cidades antigas, ou do seu meio rural envolvente, havia em quase todas elas comunidades religiosas que as caracterizavam: os conventos nas zonas urbanas, e os mosteiros no meio rural.

Homens e mulheres formavam comunidades separadas, retiravam-se do ambiente familiar a que pertenciam, e dedicavam a sua vida à oração, ao trabalho agrícola ou artesanal para a sua subsistência, ao ensino ou ao tratamento de doentes, num modelo que marcou a Europa Ocidental desde a alta Idade Média (séc. VI) até ao século XIX, já bem perto de nós.

Podiam ser chamados a esta forma de vida por uma vocação especial, ou simplesmente como uma forma de vida que resultava do contexto social e económico que caracterizava os tempos antigos.

Embora a sua forma de vida fosse semelhante, mais ou menos retirados do conjunto da restante população, havia diversas ordens religiosas, as quais seguiam regras de vida e missões com algumas diferenças entre si, a partir da regra original passada por S. Bento de Núrsia ao fundar em 529 o primeiro mosteiro de monges beneditinos, em Montecassino – Itália. Em comum tinham todos os religiosos os votos que faziam ao entrar para a comunidade: pobreza, obediência e castidade.

Historicamente são conhecidos em Loulé quatro instalações conventuais, que ao longo do tempo foram sendo implantados na então vila por várias ordens religiosas, num contexto habitual pelas principais localidades do Algarve e do país, e que na generalidade terminaram a sua existência, enquanto tal, no ano de 1834, quando o governo Liberal aboliu as ordens religiosas e mandou fechar os conventos, principalmente os masculinos.

Quando foram construídos, três deles situavam-se no exterior das muralhas da vila, no campo adjacente, como convinha a um certo recolhimento religioso. Esta localização justifica que no período medieval o cenóbio franciscano seja descrito nos documentos da época como Mosteiro de Sam Francisco. Com a evolução da malha urbana vão ficando integrados no espaço habitado da vila.

Por serem edifícios de grande dimensão, continuaram a servir a população louletana mesmo depois de terem sido fechados, noutras valências, e mantendo a sua identidade arquitetónica, ainda que muitas vezes em ruínas, onde geralmente se destacam a igreja privativa e o claustro.

Faremos de seguida uma breve síntese sobre a identidade destes quatro conventos:

A- Convento da Graça

Largo Tenente Cabeçadas (ou da Graça) – Loulé

Inicialmente foi um convento franciscano (OFM), já existente em 1328, a leste das muralhas da vila, de que há algumas referências nas atas da vereação de princípios do séc. XV, a dizer que já precisava de obras de recuperação. A Ordem dos Franciscanos terá sido a primeira ordem religiosa a fixar-se nas principais localidades algarvias, depois da Reconquista, nomeadamente em Tavira e Loulé.

Em 1580 o Cardeal-Rei D. Henrique ofereceu o convento à Ordem de Santo Agostinho – Agostinhos Calçados. Daqui veio o nome da Graça para o convento e alguns arruamentos locais, porque estes frades tinham em Lisboa o Convento da Graça – Gracianos.

O Terramoto de 1755 destruiu grande parte do edifício conventual e a sua igreja, com o seu portal gótico, “a mais bela ruína de Loulé”. Ainda se iniciou a sua recuperação, como é visível pela fachada principal, logo a seguir ao cataclismo, mas as obras não se concluíram, e acabou a sua existência religiosa na voragem da abolição das Ordens religiosas de 1834.

Nesta data passou para o domínio privado, em hasta pública, tendo sido vendido por 500$000 réis, e as suas duas cercas por 300$000 réis (Ataíde Oliveira).

O seu espaço profanado foi palco de diversas atividades comerciais ou industriais, bem como casas de habitação, desde então, sem grande reconhecimento da sua importância histórica.

É Monumento Nacional pelo Decreto – Lei n.º 9842 de 20 de junho de 1924. 

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39 – Mértola, a vila-museu

Mértola é uma vila do Alentejo que sempre deixa maravilhado quem por lá passa ou a visita a propósito da sua geografia e/ou história riquíssimas. Diferente de tudo o que existe, nomeadamente no sul de Portugal, e que não deixa ninguém indiferente.

A sua geografia é extraordinária, pelo desenvolvimento do espaço habitado sobre uma colina, ou espalhado pela sua encosta, mas principalmente pela sua relação com o rio Guadiana e a ribeira de Oeiras que a bordejam, o primeiro a leste e a sul, e a segunda a oeste. A sua entrada oeste, pela ponte sobre aquela ribeira, na estrada que vem do Algarve ou de Almodôvar, dá logo uma ideia da sua espetacular localização, que deve ser complementada com a vista que se obtém com uma ida à margem sul do Guadiana, qualquer delas valendo uma viagem a propósito para a admirar. Os dois cursos de água, que se juntam a sudoeste da vila, correm em vales profundos, que distam em altitude várias dezenas de metros do alto da colina onde está a igreja matriz e o castelo da vila. Todo o vasto panorama faz-nos pensar na genialidade da escolha do local para a antiga povoação. Vale também a pena dizer que sempre foi fácil a navegabilidade do Guadiana dali até à sua foz, e que até ali se fazem sentir os movimentos das marés, mesmo que o mar se situe a cerca de 65 Km (pelo curso do rio).

Pela sua história se reconhece que foi um importantíssimo porto fluvial desde a Antiguidade e por onde passaram os povos antigos do Mediterrâneo – Fenícios, Gregos e Cartagineses – que contactavam com os que estavam radicados neste território da antiga Ibéria –  Cónios, Turdetanos, Tartéssicos – por motivos comerciais, no I milénio a. C.  A proximidade de várias explorações mineiras da região, e da planície cerealífera alentejana, atrairia fortemente todos estes povos à procura de metais importantes e alimentos para a economia mediterrânica da época.

Depois os Romanos, que lá deixaram importantes vestígios móveis e principalmente urbanísticos, que ainda hoje podem ser visitados – criptopórtico, basílica, forum, torre-couraça, vias e outros elementos relacionados com o seu modo de vida e religião, no paganismo ou já no cristianismo. Chamavam-lhe na época Mirtilis ou Mirtilis Iulia.

Mas aqueles que deixaram maior herança cultural foram os Árabes (vulgo Mouros), a partir do séc. VIII e até ao séc. XV, mesmo depois da reconquista cristã. Fixando-se no mesmo espaço antigo, onde os Romanos já tinham estado, desenvolveram novas formas de ocupação do solo, no alto da colina sobranceira à zona fluvial, e aí também deixaram a sua marca no castelo, na mesquita (depois transformada em igreja cristã), no casario e na necrópole. Para além naturalmente das tradições, gastronomia, modo de vida, religião e arte. Era nesta época denominada de Martulá, e chegou a ser capital de um pequeno reino de taifa, no século XI, quando o Al-Andalus muçulmano estava muito dividido politicamente, antes das unificações dos califados Almorávida e Almóada (1086 – 1212).

Foi conquistada para a Coroa portuguesa em 1238, no reinado de D. Sancho II, pelas forças da Ordem de Santiago comandadas pelo mestre D. Paio Peres Correia, tendo sido reconvertida para o contexto cristão, nomeadamente na “purificação” e adaptação da sua mesquita-mor a igreja matriz. Tomava o nome atual de Mértola, recebendo a sua Carta de Foral em 1254, do rei D. Afonso III, que lhe estabeleceu o concelho.

Ao longo da sua história no período cristão, passou por um prolongado estado de adormecimento, não tendo nitidamente uma importância tão grande como a que teve no período romano e mouro, a julgar pelo que se pode conhecer hoje, depois dos trabalhos de pesquisa arqueológica desenvolvidos a partir dos finais dos anos 1970, pelo reconhecido historiador Cláudio Torres e a sua equipa multidisciplinar e a instituição que criaram – o Campo Arqueológico de Mértola.

Só a exploração efémera das Minas de S. Domingos, entre finais do séc. XIX e meados dos anos 1960, teria sido outro ponto alto da economia e riqueza do concelho, que hoje se debate com os mesmos problemas do mundo rural e interior de Portugal, esquecendo os tempos gloriosos que a sua história conheceu.

Mas a hoje conhecida como vila-museu merece bem uma (ou mais do que uma) visita em nome da sua espetacular localização e do património cultural que encerra e ilustra.

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38B – Os Titulares do Morgado de Quarteira

Sobre a família dos Barreto, titulares do Morgado de Quarteira ao longo de muitos séculos, vamos apresentar aqui um esboço incompleto da sua sequência genealógica, em que os primeiros nomes ainda não estão relacionados com Quarteira:

Gomes Mendes Barreto – Mestre da Ordem do Templo – regista-se o seu nome em 1211-12 na cúria de D. Sancho I; é a primeira figura conhecida da família. Foi pai de

Fernão Gomes Barreto – casou com Sancha Pais de Alvarenga – há registos da sua presença na cúria de D. Afonso III em 1248 e 1254; irmão de

João Gomes Barreto – esteve na cúria de D. Afonso III entre 1249 e 1253, tendo participado na conquista do Algarve;

Gonçalo Nunes Barreto I – casou com D. Brites Fernandes Pimentel e recebeu em dote o senhorio de Cernache (Coimbra), com o qual engrandeceu o património familiar; pai de

– Diogo Gonçalves Barreto – casou com D. Teresa Martins, e foi nomeado Fronteiro-Mor do Algarve, tendo sido o primeiro dos Barreto que se fixou no Algarve; foi exilado por D. Fernando I por acompanhar o Infante D. João de Castro, tendo os seus bens passado para o seu filho, por volta de 1376.

Com a figura seguinte começa a ser conhecida no Algarve a família dos Barreto de Quarteira, ou Morgados de Quarteira:

GONÇALO NUNES BARRETO II (c. 1350- c. 1431)filho de Diogo Gonçalves Barreto, e que surge nas atas de vereação de Loulé como aqui residente; era casado com D. Inês de Menezes, filha ilegítima de D. Pedro de Menezes, que foi senhor de Loulé, e cujo neto D. Henrique de Menezes, foi o primeiro Conde de Loulé (1471); foi partidário do Mestre de Avis na crise de 1383-85, que o nomeou Fronteiro-Mor do Algarve; Juiz geral em Loulé, em 1408; em 1412 o rei atribui-lhe o rendoso reguengo de Quarteira, que ele vem a adquirir definitivamente em 1413, por troca com o senhorio de Cernache (Coimbra) que entrega ao rei; fundador do Morgado de Quarteira, em data incerta; esteve na conquista de Ceuta (1415), onde ficou algum tempo; lá lhe morreu o seu filho Fernão Barreto; nos últimos anos de sua vida foi membro do Conselho do Rei e também assinou o tratado de paz com Castela de 1431; terá falecido pouco depois, septuagenário. Sucedeu-lhe na Casa o seu neto

2º – GONÇALO NUNES BARRETO III (morgado entre 1431 e 1475)c.c. D. Isabel Pereira e foi Comendador–Mor da Ordem de Santiago; foi Alcaide-Mor do castelo de Faro e Fronteiro-Mor do Algarve, com D. Duarte; foi apoiante do Infante D. Pedro, após a morte de D. Duarte, mas contra ele em Alfarrobeira (1449); esteve sempre no Algarve, onde teve muitos conflitos com outras entidades locais e regionais, que lhe valeram múltiplas queixas em Cortes. Construiu o solar cujas ruínas estão agora musealizadas sobre os antigos banhos islâmicos de Loulé, com autorização real de D. Afonso V. Pai de

NUNO BARRETO (morgado entre 1475 e 1494) – c.c. D. Leonor de Mello; foi-lhe dado o privilégio de socorrer Ceuta e os que lá viviam, com D. Afonso V; tinha direitos sobre o porto de Farrobilhas, muito importante para Loulé. Um seu irmão, Fernão Pereira Barreto, fundou o Morgado do Freixo Verde (Quinta do Freixo). Pai de

RUI BARRETO I (morgado entre 1494 e 1521) – c.c. D. Branca de Vilhena; Alcaide-Mor de Faro (1498); Fronteiro–Mor do Algarve; Vedor da Fazenda do Algarve (1513); próximo do rei D. Manuel I, que lhe confirmou os privilégios do socorro a Ceuta e outras mercês; construção e povoação e torre em Quarteira; socorro ao cerco de Arzila (1508); Capitão de Azamor; muito lutou para receber um título nobiliárquico, mas nunca conseguiu. Pai de

5º – NUNO RODRIGUES BARRETO (morgado entre 1521 e 1557 – c.c. D. Leonor de Millá (ou Milão) – Alcaide-Mor de Faro, onde residia; Fronteiro-mor do Algarve; pai da famosa D. Francisca de Aragão1; fundador do primeiro Convento de Santo António dos Capuchos, em Loulé, no ano de 1546, que viria a ser fortemente danificado em 1587, tendo sido mais tarde, em 1692, construído um novo convento em lugar mais alto da mesma cerca (o que se conhece hoje); era irmão de

6º FRANCISCO BARRETO, grande figura de militar, que teve uma notável carreira na Ásia portuguesa, e que entre 1563 e 1567 teve também um importante papel na casa de Quarteira, como tutor do seu sobrinho Rui Nunes Barreto, até que foi nomeado para general das galés de Portugal, e depois ainda protagonista de outros grandes feitos militares até à sua morte (1573); tio de

7º – RUI NUNES BARRETO – morgado de 1557 a 1574 – c.c. D. Brites de Vilhena; comandante da armada de guarda-costa do Algarve; Alcaide-Mor de Faro; Vedor da Fazenda do Algarve; Capitão –Mor de Ordenanças do Algarve; a sua casa foi visitada pelo rei D. Sebastião em janeiro de 1573, no seu périplo pelo Alentejo e Algarve (ver post 25B). Pai de

8º NUNO RODRIGUES BARRETO II – morgado de 1574 a 1602 – durante o seu mandato deu-se o ataque do conde de Essex (inglês) a Faro, em 1596, em que ficou bastante mal visto, por não ter conseguido evitá-lo. Foi substituído pelo seu irmão 

9º FRANCISCO BARRETO II – morgado a partir de 1602.

10º FRANCISCO de BORJA e ARAGÃO (filho de D. Francisca de Aragão – n. 1581- m- 1656) – Príncipe de Esquilache; foi Vice-Rei do Peru, onde fundou a Universidade de S. Marcos, em Lima. Poeta.

11º – ANTÓNIO de MENDOÇA (m. em 1675) – Filho de Nuno de Mendonça, 1º Conde de Vale de Reis; Arcebispo de Lisboa, entre 1670 e 1675; foi Morgado de Quarteira por mercê de D. João IV.

12º – FRANCISCO BARRETO DE MENEZES (n.1616 – m. 1688) – nasceu no Peru; título entregue pelo Infante Regente D. Pedro; venceu no Brasil a 2ª batalha dos Guararapes (1649), contra os Holandeses; restaurador de Pernambuco, Governador-Geral do Brasil e elevado a Conde do Rio Grande, em 1678. Pai de

13º – ANTÓNIA MARIA FRANCISCA BARRETO (séc. XVII) – c.c. Lopo Furtado de Mendonça; Condessa de Rio Grande;

14º AGOSTINHO DOMINGOS DE MENDONÇA ROLIM DE MOURA BARRETO (n. 1780 – m. 1824)e 8º Conde de Vale de Reis; 1º Marquês de Loulé; foi comandante da Legião Lusitana, ao serviço de Napoleão; membro da Maçonaria.

15º NUNO JOSÉ SEVERO DE MENDONÇA ROLIM DE MOURA BARRETO (1804-1875) –  2º Marquês de Loulé e 1º Duque de Loulé; 4º Conde da Azambuja; par do Reino; casou com a Infanta D. Ana de Jesus Maria de Bragança, filha de D. João VI e de D. Carlota Joaquina. Grande figura política do Liberalismo do séc. XIX. Último morgado de Quarteira. Depois da sua morte a Quinta de Quarteira passou em partilhas para o 5º Conde da Azambuja, ficando nesta família até 1929.

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1 – Famosa dama da corte de D. João III, e uma das musas de Luís de Camões.

Bibliografia

– Carta de Povoamento de Quarteira – 1297 – Chancelaria de D. Dinis – ANTT

– MARTINS, Isilda – O Foral de Loulé de 1266 – Ed. C M Loulé – 1989

– MORENO, Humberto B. – “Conflitos entre os Barreto e os seus Opositores no séc. XV” – Revista da Fac. Letras do Porto (online);

– VILA-SANTA, Nuno – “Do Algarve, a Marrocos e à Índia – Francisco Barreto e a Casa de Quarteira” – Arq. Municipal – C M Loulé – 2020.

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38A – O Morgado de Quarteira

Dado o interesse local, para Quarteira e Loulé, deste tema, propus-me fazer aqui um esboço acerca da evolução histórica deste assinalável espaço deste concelho. Não é um trabalho acabado, mas posso dar aqui algumas informações ao grande público ou pistas para futuras investigações.

A primeira vez que aparece uma referência ao território que viria a ser conhecido como Morgado de Quarteira foi no Foral de Loulé, de 1266, em que o rei D. Afonso III reserva para si, e todos os seus sucessores, todas as herdades de Quarteira, para seu reguengo, bem como todos os moinhos de Quarteira, construídos e por construir, e os pisões, ou azenhas se as fizerem. Tornava-se assim uma propriedade do rei (significado da palavra reguengo), e assim fica por mais um século e meio.

O rei seguinte, D. Dinis, para rentabilizar a terra, ainda celebrou contratos de arrendamento de parcelas com vários casais e homens solteiros para nelas trabalharem.

Para povoar o lugar, fora do reguengo, em 1297, outorgou uma carta de povoamento a Martim Mecham e a mais cinquenta homens (que se presumiria que trouxessem as suas famílias) para o seu lugar de Quarteira, mas a tentativa parece não ter dado frutos, porquanto em reinados bastante posteriores, nomeadamente de D. Afonso V (em meados do século XV) ainda se faziam tentativas de povoamento do lugar.

Entretanto, o reguengo continuaria a sua produção, talvez sem o lucro esperado, porque no princípio do século XV (em 1412), o rei arrendou a terra a um fidalgo que estava fixado em Loulé, Gonçalo Nunes Barreto, o qual no ano seguinte (1413) o viria a adquirir definitivamente, por troca com o rei D. João I pelo seu senhorio em Cernache (Coimbra).

A partir de 1413 na família dos Barreto, e instituído em morgado logo no século XV, com a inerente obrigação de indivisibilidade e preservação, foi passando por sucessivas gerações na família, embora com alguns pontuais interregnos, até aos finais do séc. XIX com essas características.

A componente residencial da quinta, residência habitual da família dos morgados, era o edifício solarengo que hoje funciona como a Estalagem da Cegonha, onde o morgado de então, Rui Nunes Barreto, recebeu com todas as honras e festejos o rei D. Sebastião e a sua comitiva, no seu périplo pelo Alentejo e Algarve, em janeiro de 1573.

A fase final do morgado de Quarteira iniciou-se com a morte de do 1º Duque de Loulé, em 1875, a partir da qual a propriedade ficou em partilhas para o Conde da Azambuja e permaneceu na posse dos seus descendentes até 1929, quando foi adquirida pela Família Júdice Fialho (industrial de conservas do Algarve). Com uma área de cerca 1700 hectares (era então a maior propriedade do Algarve), foi posteriormente adquirida em 1964, por Artur Cupertino de Miranda (Banco Português do Atlântico), pelo valor de 150.000 contos, que criou a firma Lusotur, e no seu espaço se desenvolveu o atual empreendimento turístico de Vilamoura, iniciado na segunda metade dos anos 1960.

(No próximo artigo identificarei os Morgados ao longo do tempo)

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37 – As Lendas das Mouras Encantadas do Algarve

Uma das tradições mais arreigadas na população do sul de Portugal, e nomeadamente do Algarve, é a das Mouras Encantadas. Grande parte das povoações desta região têm a sua lenda relacionada com este tema.

Trata-se de narrativas fictícias, que foram passando oralmente de geração em geração, não se sabe exatamente desde quando. Embora existam várias teses que tentam explicar a origem e o contexto do aparecimento deste tipo de narrativas, entroncando-os mesmo com outras culturas antigas, até de fora do contexto peninsular, penso que este caso específico da tradição meridional de Portugal provavelmente virá desde o período medieval, contemporâneo ou próximo da época em que se situam. Ao terem sido passadas a escrito e publicadas nos finais do séc. XIX, estão devidamente salvaguardadas na sua preservação.

Os relatos são de diferentes tipos, mas há um modelo que se pode considerar mais comum, e que se situa no período muçulmano na Península Ibérica, ou mais concretamente na sua fase final, a da reconquista cristã, pondo em ação a figura de reis mouros e alguma (ou algumas) filha, à qual são geralmente referidos atributos de grande beleza física – alvura de pele, olhos azuis e longos cabelos em ondeadas madeixas louras. Perante a ameaça da derrota militar, com a consequente morte ou cativeiro, às mãos dos cristãos, os reis mouros lançavam sobre as suas filhas um poderoso feitiço (encantamento), que as levava a ficarem inanimadas por muitos séculos num espaço profundo, muitas vezes um poço, uma fonte, ou uma gruta da povoação. Daí saíam em ocasiões especiais, apresentando-se em toda a sua beleza e juventude, acompanhadas por um qualquer objeto de ouro (pente, tesoura), e exercendo uma terrível sedução sobre quem as visse, normalmente os jovens rapazes que, só por terem contactado com elas, podiam incorrer na perdição de suas almas.

Outras narrativas não referem como se deu o encantamento, nem quem o realizou, apenas indicam o local em que aparecem, mas quase sempre no contexto que acima descrevo.

As ocasiões mais comuns para aparecerem no mundo dos vivos era no início do verão (muitas vezes pelo S. João), e à meia-noite, o que lhe elevava ainda mais a sua aura de mistério. Muitas vezes o feitiço lançado era reversível (desencantamento), se fossem realizadas por algum ser humano determinadas ações previstas, que até poderiam ser recompensadas por um tesouro, mas, enquanto não fosse possível a concretização dessas ações, o feitiço continuava, o que justifica a continuação destas tradições ao longo dos séculos…

Claro que, como disse, estas descrições são puramente ficcionais, portanto, não são suportadas pelos factos históricos e documentos que as comprovem. Não devem, portanto, ser interpretadas à letra, em busca de acontecimentos e datas concretos. Mas este tipo de narrativas poderia ser importante pelo contexto em que são apresentadas. Por algum motivo, surgem essencialmente no Sul e menos em zonas não relacionadas com a presença muçulmana, e assim refletem, no contexto desta presença, usos e costumes da época, as relações familiares, as dificuldades de relacionamento entre pessoas de religiões diferentes, a condição humana dos intervenientes, o medo dos fenómenos metafísicos, etc.

O interesse cultural deste tema torna-o apetecível para o grande público, que quer conhecer as lendas e eventualmente relacioná-las com algum espaço concreto que conheça. Lembro-me na minha infância um jornal matutino de Lisboa (“O Século” ou o “Diário de Notícias”, já não posso precisar) ter publicado durante muito tempo, diariamente, muitas destas lendas, e que também podem ser lidas nas obras que cito na Bibliografia, das quais destaco a reedição da coletânea recolhida por F. X. Ataíde d’Oliveira nos finais do século XIX, grande conhecedor da história e tradição algarvias, retratadas também nas várias monografias que escreveu sobre localidades desta região.

A importância cultural deste tema também se comprova pelo facto de existirem teses universitárias de mestrados/doutoramentos sobre o mesmo.

A título de exemplo, cito aqui algumas das lendas mais conhecidas do Algarve: A Moura Cássima (Loulé); as Mouras de Salir, Alte, Querença e Ameixial (Loulé); As Mouras de Paderne; a Moura de Faro; A Moura de Olhão; A Moura do Castelo da Tavira; as Moura de Alcoutim, de Vaqueiros e de Giões; A Moura de Silves; a Mourinha de Bensafrim; etc.

Há também casos no masculino: Os Mouros de Albufeira, de Castro Marim, de Alportel; etc.

Espero com este pequeno texto ter feito relembrar histórias de infância aos mais velhos, e suscitado alguma curiosidade nos mais novos sobre este tema tão interessante da tradição cultural algarvia.

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Bibliografia:

MARTINS, Ana Cristina – “Mouras Encantadas e outras Lendas” – Arandis Editora

MEIRELES, Maria José – “Lendas de Mouras Encantadas” – Campo de Letras – 2006

OLIVEIRA, Francisco Xavier d’Ataíde – “As Mouras Encantadas e os Encantamentos do Algarve” – Ed. Notícias de Loulé – 1996 – reedição de obra publicada em 1898.

OLIVEIRA, Francisco Xavier d’Ataíde – Diversas Monografias de localidades algarvias – editadas pela Algarve em Foco – anos 1980.

36 – S. Clemente – Loulé

No calendário litúrgico católico comemora-se a 23 de novembro o dia de S. Clemente.

S. Clemente, ou Clemente I, foi o quarto Papa de Roma, tendo o seu pontificado decorrido entre os anos de 88 e 97. Terá nascido por volta de 35 e faleceu como mártir no ano 100. (Todas esta datas não são unânimes). É considerado o primeiro Pai da Igreja e escreveu uma Epístola aos Coríntios.

Aquando da reconquista de Loulé aos Mouros, no ano de 1249, e da posterior adaptação a igreja cristã da antiga mesquita principal da vila, o templo foi atribuído como orago a este papa santificado. Curiosamente, todas as restantes igrejas principais das grandes vilas do Algarve da época, também reconvertidas de antigas mesquitas, foram atribuídas a Santa Maria, como é o caso de Silves, Faro e Tavira, as primeiras localidades que receberam carta de foral no território algarvio, em 1266.

Qual é a explicação para o nome de S. Clemente em Loulé, de forma algo excecional? Há várias teses que suportam o facto, mas não há uma certeza absoluta sobre a questão. Deixo aqui as que são conhecidas:

1. Ter sido a reconquista de Loulé realizada no dia 23 de novembro de 1249. Esta tese foi apresentada pelo Prof. J. Romero Magalhães1, e sem querer por em causa o valor desta explicação (quem sou eu para contrariar o ilustre historiador) mas não me deixa completamente tranquilo quanto à sua plausibilidade, isto porque, tendo a conquista de Faro sido feita anteriormente, em março, numa forma que a documentação mostra ter sido sem grandes combates, antes numa rendição mais ou menos pacífica depois de um cerco, não parece muito lógico que tenha sido necessário decorrerem oito meses para tomar Loulé que, ao que se julga, também foi feito sem grande luta.

2.  A especial devoção a este santo pelo Deão de Braga, Fernando Anes de Portocarrero, que se sabe que esteve na reconquista do Algarve (é citado no Foral de Loulé), com o seu Arcebispo, e que no seu testamento também mandou erigir a S. Clemente uma capela em Braga. O carácter evangelizador da figura deste antigo Papa teria sido importante, num espaço onde a maioria da população ainda não era cristã. Esta tese é defendida pelo Prof. Luís Filipa Oliveira2.

3. O facto de Sevilha ter sido tomada aos Mouros no dia de S. Clemente de 1248, onde estiveram D. Paio Peres Correia e alguns dos seus freires da Ordem de Santiago, que também participaram na tomada de Loulé.

 Portanto, são apresentadas aqui algumas hipóteses possíveis, cada uma delas, ou em conjunto, para explicar a originalidade do nome de S. Clemente para a igreja matriz de Loulé e a freguesia que a tem como cabeça. Tal como sempre na História, pode sempre apresentar-se futuramente outra documentação que venha a confirmar (ou alterar) aquilo que se pensa hoje sobre qualquer tema do passado.

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1 Magalhães, Joaquim Romero – “A Conquista do Algarve aos Mouros” – C M Faro – 1987 – Pág. 12

2 Oliveira, Luís Filipe – “A Conquista, o padroeiro e os priores de Loulé” – Univ. Algarve/IEM (consulta online) Pág. 75-76. Este tema também é confirmado em ANTUNES, José – “Portugueses no processo histórico da fundação da Universidade de Salamanca” in Rev. História das Ideias – Fac. Letras U. Coimbra – Vol. 12 -1990 – Pág. 43);

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