A exposição marítima do litoral algarvio aos contactos com o mundo mediterrânico e o norte de África foram, desde a Antiguidade, muito importantes para a vida económica e cultural da região. O mar era mesmo a principal via de contacto do Algarve com o exterior, incluindo com o centro e norte do país, até ao séc. XIX. Mas também havia o lado negativo dessa mesma exposição: a concretização de frequentes assaltos da pirataria moura aos campos e localidades litorais algarvios, com a respetiva pilhagem de produtos locais e, pior que isso, com o rapto de pessoas encontradas, o qual dava origem frequentemente a um posterior resgate.
Ao longo da Idade Média e Moderna, esses assaltos eram tão frequentes que ficaram no imaginário das populações, com as suas lendas (ex: Lenda da Moura Cássima), expressões populares (ex: “Há mouro na costa”), e receios coletivos que perduraram até aos nossos dias.
Para fazer face a este problema, o poder político e militar da região, em complemento com as edificações e forças militares das praças existentes, investiu na construção de torres de vigia e fortificações na costa, que pudessem dar o alerta da chegada de piratas mouros (marroquinos ou argelinos), e consequentemente dar a resposta adequada para os combater e expulsar. No caso das torres de vigia (ou de vela, como eram popularmente designadas), sempre que eram avistadas embarcações suspeitas na costa, os vigilantes podiam comunicar por sinais de fumo com as guarnições terrestres, e assim se iniciava o combate aos intrusos.
Considerando nesta apresentação apenas a zona do sotavento algarvio, de Faro até ao Guadiana, eram várias as construções deste tipo que existiam, e que ainda se podem ver na sua maioria, apesar de algumas estarem mal conservados, nomeadamente as pequenas torres de vigia. A seguir faremos a sua breve descrição, com base no nosso conhecimento pessoal, e nas publicações identificadas nas Notas Bibliográficas.
Em Faro, a área da cidade velha era ela própria um elemento de defesa contra a chegada de qualquer tipo de inimigos, incluindo de piratas. A linha de muralhas bem junto à água da ria cumpria bem esse papel, evoluindo ao longo do tempo e adaptando-se às novas armas, nomeadamente à artilharia na Idade Moderna. Mais acima, na zona mais alta de Faro, erigiu-se uma torre de vigia em 1355, no tempo de D. Afonso IV – a torre de Santo António do Alto – que igualmente tinha funções de avistamento e controlo da navegação que entrasse na ria, em complementaridade com a linha de muralhas, em baixo.
Mais para leste, na zona de Marim, território desde cedo relevante em termos económicos, e que o rei D. Afonso III reclamou para si no foral de Faro (1266), foi erigida uma outra torre, conhecida como Torre de Marim, de maiores proporções, no reinado do seu filho e sucessor D. Dinis, que segue o modelo de outras torres militares existentes no país, desse período. Terá sido construída a partir de 1282, nos terrenos da Quinta de Marim, que ao longo dos tempos foi sendo concedida por aforamento régio a várias personalidades conhecidas do Algarve, onde se incluem: Pedro Tomás; Afonso Pestana; Gomes Lourenço do Avelar, alcaide de Tavira; João Garcia; o almirante Lançarote Pessanha; Rui Valente. Depois foi vendida em 1554 a Francisco Gil do Lugo, fidalgo (…). Mais tarde, após o terramoto de 1755, com a torre bastante danificada, foi parcialmente demolida pelo seu proprietário de então, João Carlos Miranda Horta Machado, ficando com o aspeto que tem hoje. No século XX surge-nos na posse do Dr. João Lúcio Pousão Pereira e seus descendentes1.
Um pouco mais para leste, surge-nos uma outra torre, de menores dimensões, circular, apenas com a função de vigia sobre a barra da Fuseta – a Torre de Bias. Tem o formato do corpo de um moinho de vento, e hoje está em ruínas, mas é facilmente reconhecível. Na mesma zona há registos de outros nomes de torres de atalaia: Alfanxia, Quatrim, Amoreira, Torrejão.
Mais adiante, também debruçada sobre a ria Formosa, no sítio do Pinheiro, na projeção da Luz de Tavira, vamos encontrar outra torre do mesmo tipo e função – a Torre d’Aires (ou de Aires Gonçalves).
Já na zona da cidade de Tavira, para além da própria muralha e castelo da cidade, procurada por muitas embarcações para fins comerciais e de abastecimento de água potável, há registo de várias torres de defesa – a Torre do Mar, junto à entrada sul da ponte, e outras torres-atalaia – a Atalaia-Grande e a Atalaia-pequena; e a torre de “Nuno Pereira”. Mais assinalável e mais perto da Ria Formosa, encontramos os vestígios de um forte de cinco baluartes que se começou a construir no tempo de D. Sebastião (1557-1578) – o forte de Santo António ou do Rato. A descrição que dele deixa Alexandre Massay em 1617, apresenta-o com cinco baluartes, três virados para o mar e dois para terra, dos quais hoje só se podem confirmar os três do lado do mar. A finalidade da sua construção – a luta contra a pirataria moura – não foi efetiva durante muito tempo, porquanto as constantes mudanças da linha costeira provocaram a mudança da barra de Tavira mais para leste, e tornaram obsoleta esta construção.
Por isso é que em 1670 o príncipe regente D. Pedro (futuro D. Pedro II) mandou construir outra fortaleza, também de grandes dimensões, e com linhas próprias do século XVII, no sítio da Gomeira (nas proximidades da atual povoação das Cabanas de Tavira) – o forte de S. João (Baptista) da Barra de Tavira, ou da Conceição2. Tem uma planta em estrela de quatro pontas, estilo Vauban, onde se situam outros tantos baluartes, que se ligam à praça de armas central. Foi reedificado em 1793, depois desativado em 1897, e é propriedade privada desde 19053.
Do mesmo tipo do de S. João, mas anterior, é o forte de Cacela-a-Velha, construído sobre as antigas muralhas medievais que rodeavam a vila antiga e a sua igreja matriz, preparado já para a guerra de artilharia, e com uma vista soberba sobre a mesma Ria Formosa, no seu troço final mais a leste. O aspeto atual é o resultado de muitas adaptações, com as últimas obras datadas de finais do séc. XVIII (reinado de D. Maria I).
Para finalizar esta breve descrição poderemos ainda destacar o forte de S. Sebastião, em Castro Marim, uma fortaleza de dimensões superiores às restantes aqui apresentadas, e que fazia frente ao inimigo castelhano, mas também à pirataria que ousasse subir o rio Guadiana. Data de meados do séc. XVII (D. João IV), com cinco baluartes numa planta poligonal adaptada ao terreno.
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Notas Bibliográficas:
1 Cf. MARTA, José – “Da Torre de Marim a Olhão-Subsídios para a sua História” – Olhão – 2004.
2 Cf. ANICA, Arnaldo – “Tavira e o seu Termo” – Tavira – 1993
3 Cf. MAGALHÃES, Natércia – “Algarve – Castelos, Cercas e Fortalezas” – Ed. Letras Várias