14. Moinhos do concelho de Loulé (em 1988)

Depois de apresentar uma série de textos sobre a história medieval do Algarve, e eventualmente para desenfadar alguns leitores, vou fazer uma abordagem de alguns outros temas locais ou regionais, antes de voltar àquele, satisfazendo assim outros gostos e expectativas.

Moinhos do Concelho de Loulé (em 1988)

Nota prévia

Este texto foi apresentado no 5º Congresso do Algarve, organizado pelo Racal Clube de Silves em 20-23 janeiro de 1988, figurando nas respetivas Comunicações, em versão um pouco mais reduzida.  Decorreu de um levantamento feito pelo Autor e o seu saudoso colega João Santos, e foi patrocinado pela Comissão Nacional do Ano Europeu do Ambiente (1987) e subsidiado por esta entidade, pela Região de Turismo do Algarve e pela Câmara Municipal de Loulé. Tem, portanto, mais de 30 anos de escrito e publicado, pelo que deve ser dado o necessário desconto se compararmos o que aqui ficou dito como realidade da época, com a realidade atual (2021). Este tempo decorrido levou à total ruína a generalidade dos antigos moinhos e, mesmo aqueles que estavam em condições de laborar em 1988 estão hoje quase todos desativados e abandonados. Ainda assim, acho que tem interesse republicá-lo para memória futura, só com a atualização da ortografia para o novo modelo.

Introdução

 As instalações tradicionais de moagem, constituídas essencialmente por engenhos movidos pela água ou pela força dos ventos, são uma riqueza patrimonial de extrema importância. Embora atualmente em fase de declínio e de degradação material, há menos de 30/40 anos a sua laboração era imprescindível para a ação das populações ligadas agricultura do interior do concelho.

 As modificações socioeconómicas ocorridas nas últimas décadas, provocaram praticamente o seu fim, e de uma época de prosperidade e movimento, pouco mais resta do que uma saudosa amostra, apenas testemunhada por meia dúzia de instalações que ainda laboram, como que a dizer aos mais novos como se farinava o cereal de uma forma artesanal.

É essa ambiência de trabalho que marcou uma época que a presente comunicação pretende mostrar, através de uma análise que decorre de uma investigação mais ampla que no momento em que é redigida ainda está em curso.

1. Caracterização e localização dos Moinhos no concelho de Loulé

São conhecidas de todos os algarvios as grandes dimensões do concelho de Loulé. Na sua complexidade, abrange as três regiões que no sentido transversal dividem o Algarve – a Serra, o Barrocal e o Litoral — numa conjugação assaz curiosa.

 Os seus 765 Km2 divididos por nove grandes freguesias, são muito variados na qualidade dos seus solos e, desde sempre, a agricultura da região marcou uma forte presença, adaptada nos produtos e nas técnicas às diferentes condições geológicas e orográficas. Na sua zona norte, englobando a Serra e o Barrocal, as populações praticam tradicionalmente uma agricultura de subsistência, baseada na cultura de cereais e leguminosas, fruticultura de frutos secos e criação de gado. No litoral prevalece a horto-fruticultura de regadio.

Desta atividade intensa, mas de ação localizada em pequenos núcleos de área reduzida, neles perfeitamente inseridos, sobressaem os objetos do nosso estudo presente – os moinhos.

Durante muitos anos os portugueses conviveram com esses representantes da técnica tradicional, pré-industrial, utilizando-os em perfeita harmonia com os elementos da Natureza e dela retirando a energia necessária sem gastos supérfluos nem perspetivas negras de escassez de recursos. Hoje eles próprios olham para as suas ruínas e, eventualmente, as gerações mais novas nem saberão como sequer funcionavam…

 As instalações moageiras tradicionais que encontramos (em ruínas, na maior parte dos casos!) no concelho são dos dois tipos habituais – de água e de vento, ainda que com características varias dentro de cada género. Assim, os moinhos de água, em termos históricos os mais antigos, eram utilizados desde a antiguidade e podem-se neles distinguir dois tipos: o de roda horizontal, ou de rodízio, ou moinho grego — caracterizado pela impulsão da água num rodízio que gira na horizontal e que, através de um eixo vertical, transmite a rotação solidariamente com a mó andadeira; e o de roda vertical, ou azenha, ou moinho romano – caracterizado pelo movimento de uma roda exterior que a torrente de água faz girar na vertical, transmitindo-se esse movimento a outra roda interior que, por sua vez, e por um sistema de engrenagem dentada, o transmite na horizontal à mó andadeira. Este último tipo foi mais difundido no Ocidente pelos Árabes e traduz um melhor aproveitamento da força da água, já que igual quantidade de água neste sistema produz mais movimento explicado pela desmultiplicação da passagem do movimento vertical a horizontal. (v. Figura 1 – sobre Moinhos de água).

    Fig. 1 – Esquema de mecanismo de funcionamento de uma Azenha (à esq.) e de um Moinho de Rodízio (à dir.) – Esboços de Jaime Travassos

Quanto aos moinhos de vento, eles são do tipo mais comum no sul de Portugal, isto é, constituídos por uma torre circular em alvenaria (em taipa, em pedra e barro ou argamassa) e em que a cobertura e o sistema propulsor são girat6rios, em função do vento da ocasião, quer através de sarilhos interiores, quer por ‘cabresto’ (cordas que exteriormente movimentam o mastro e as velas). Neste último caso, a zona envolvente do moinho era geralmente plana e, num perímetro circular a cerca de 10 m do moinho existem marcos de pedra que auxiliavam o moleiro na manobra de girar o velame (v. Fig. 2).

Fig. 2 – Corte esquemático de moinho de vento (in Oliveira, E.V., Galhano e Pereira, obra citada)

 Os diversos tipos analisados encontram-se em todas as zonas do concelho, indiferenciadamente. Mas é no Barrocal e na Serra que encontramos mais instalações e é um facto que os moinhos de rodízio suplantam numericamente os de roda vertical (azenhas) nos cursos de água louletanos.

 Podemos contar cerca de 130 moinhos dos tipos descritos, sendo 80 de vento e 50 de água, a partir das cartas do Instituto Geográfico e Cadastral e dos Serviços Cartográficos do Exército e dos nossos trabalhos de campo em que se têm detetado algumas imprecisões daquelas, nomeadamente no que concerne aos moinhos de água.

 As zonas do concelho mais densamente apetrechadas destas instalações são as seguintes: Moinhos de vento — uma extensa sequência de cerros calcários que se estende de Oeste para Este entre Vale da Vaca (Boliqueime) e Malhão (S. Clemente) e que passa a menos de uma légua a Norte da sede do concelho; Moinhos de água – os cursos das ribeiras Mercês – Algibre, dos Moinhos – Benémola, e ribeira do Vascão, embora grande parte dos situados nesta última não pertençam pela localização ao concelho de Loulé e ao Algarve .

2. Importância dos Moinhos no contexto socioeconómico do concelho de Loulé na primeira metade do século XX.

Já deixámos referenciado o carácter de subsistência da economia que caracteriza a quase totalidade do interior do concelho, mais saliente no Barrocal e na Serra, onde precisamente há mais moinhos.

Na primeira metade do século XX, as populações estavam mais arreigadas aos valores tradicionais da agricultura e de uma maneira geral as gerações sucediam-se ocupando o mesmo espaço e habitando nele simultaneamente ou em continuidade.

 As zonas rurais eram relativamente mais populosas que o são nos nossos dias e as aldeias, sítios e casais eram marcados no seu dia-a-dia por um ritmo de vida campesina algo diferente do atual.

 Cada família provia ao seu próprio sustento, cultivando cereais — trigo, cevada, aveia e centeio e milho — que seriam moídos e eram a base alimentar de pessoas e animais de trabalho.

 Esta cerealicultura tradicional da região seria notoriamente aumentada a partir de 1929, quando o plano nacional denominado Campanha do Trigo incentivou por todo o país a sua produção. Grandes extensões rurais até aí cobertas pela vegetação natural, e economicamente improdutivas, foram desbravadas para nelas se semear o cereal nobre. Neste contexto, será explicável uma importância crescente da moagem tradicional até porque as formas de moagem motorizadas acrescentavam dificuldades pela falta de energia elétrica. A farinha produzida com motores diesel saía naturalmente encarecida e com dificuldades na concorrência das maquias a pagar. Além disso, apenas nas maiores aldeias – tipo sede de freguesia – existiam moagens motorizadas. Junto das populações, em quase todas elas, Iá estava o velho sistema do moinho de vento, ou de água, que satisfazia as necessidades locais.

Por caminhos a serpentear o monte, ou a acompanhar as margens das ribeiras, Iá seguiam os camponeses com as suas bestas de carga, levando sacos de cereal em grão, e trazendo de volta a farinha, num vaivém que dava vida aos campos, que hoje já não possuem.

3. Situação atual dos Moinhos no concelho (1988)

 A pouco e pouco essa vida, esse movimento, afinal uma época, foi desaparecendo dessas regiões sem alternativa.

 A emigração, as migrações internas — do interior para o litoral, provocadas pelo turismo e o urbanismo – as novas perspetivas económicas, as crescentes necessidades de bem-estar social como a saúde e a educação, trouxeram novamente o mato aos terrenos aráveis e a diminuição da população rural. A agricultura a partir dos anos 60 tornou-se uma atividade para os mais idosos, para aqueles que não tinham idade para aprender outro ofício…

 Os moinhos foram desativados, os mecanismos de rotação foram retirados ou então tudo foi abandonado! …

 Infelizmente esta é a filosofia que explica o estado de abandono e profunda ruína que caracteriza a situação atual da maior parte das instaIações moageiras tradicionais no concelho. Tetos caídos, madeiras podres ou desaparecidas, mecanismos metálicos oxidados e partidos, açudes e levadas quebrados. Restam geralmente as mós, que são pesadas e resistentes…

 Embora nos custe admiti-lo, a degradação da maioria parece-nos uma situação irreversível e dentro de 20/30 anos ninguém se lembrará que existia um moinho no alto daquele monte ou ‘no fundo daquela ribeira’.

 Poucos são os moinhos que ainda estão em laboração ou em condições de o fazer. Deles nos ocuparemos de seguida.

4. Moinhos atualmente em laboração (1988)

Embora o panorama se apresente extremamente desolador, como acabámos de referir, não deixaria de registar os ‘heroicos’ moinhos que atualmente ainda laboram ou estão em condições técnicas de o fazer, numa homenagem singela aos seus dignos proprietários ou moleiros. Sem voluntariamente querer omitir qualquer que seja (é possível que, no estado presente do nosso trabalho de campo, possamos deixar algum de fora), passaremos a identifica-los.

É na freguesia do Ameixial, bem ao norte do concelho, que encontramos o maior núcleo ainda em atividade: os moinhos de rodízio da Chavachã e Cascalheira (Ribeira do Vascão) e do Pisão (Ribeira da Corte) e o moinho de vento da Figueirinha. Todos ainda trabalham em regime sazonal.

 Em Alte encontramos a azenha das Águas Frias. Em Salir, o moinho de rodízio do Cardoso (Ribeira dos Moinhos) e o moinho de vento da Cumeada. Na freguesia de S. Clemente, o moinho de vento da Alfarrobeira, restaurado e propriedade de estrangeiros. Por fim, na freguesia de S. Sebastião poderemos encontrar os moinhos de vento de Alfeição e da Picota.

 A maior parte desta lista (exceção já salientada) está operacional, mas inativa.

 Como se pode observar, para um número global avançado de cerca de 130 moinhos, este efetivo é bastante diminuto e elucidativo.

Bom seria que os poderes locais e a iniciativa dos particulares conseguissem juntar esforços para restaurar em cada freguesia um moinho de cada tipo, para preservação deste valioso património cultural.

Bibliografia geral sobre o tema ‘Moinhos’:

BORGES, Nelson Correa“A farinação através dos tempos’ – História – Lisboa 1981

BRANCO, Fernando Castelo“Os Moinhos na economia portuguesa’ –  Rev. Port. de História – Coimbra 1961

DIAS, Jorge – “Moagem tradicional” – in  Dic. História de Portugal – III vol.

DIAS, Jorge; OLIVEIRA, E. Veiga; GALHANO, Fernando — “Sistemas Primitivos de Moagem em Portugal” — Porto 1959;

OLIVEIRA, E. Veiga; GALHANO, Fernando; PEREIRA, Benjamim“Tecnologia Tradicional PortuguesaSistemas de Moagem” — Inst. Nac. Investigação Científica — Lisboa 1983

USHER, Abott Payson —  ‘História das Invenções Mecânicas – I e II – Ed. Cosmos Lisboa 1973.

5º CONGRESSO do ALGARVE – 1988 – “Comunicações” – Racal Clube de Silves – Livro 1 – Pg. 95- 100.

Anexo

Mapa dos moinhos (de vento e de água) no concelho de Loulé

12. Carta de Feira de Loulé – D. Dinis – 1291

Este é o texto da Carta de Feira outorgada a Loulé por D. Dinis em 1291 [ANTT – Chancelaria de D. Dinis – Liv. 2 – Fl.17]:

“D. Dinis, pela graça de deus, rei de Portugal e do algarve, a todos aqueles que esta carta virem, faço saber que eu mando fazer feira na minha vila de Loulé, e que a comecem a fazer oito dias antes de Sam Cibraão [S. Cipriano], no mês de setembro, em cada ano, durante quinze dias, e todos aqueles que vierem a essa feira por razão de vender e de comprar sejam seguros à ida e à vinda.

E mando que não sejam penhorados em meu reino, por nenhuma dívida naqueles oito dias que vierem à feira, nem nos quinze dias que ela durar, nem nos oito dias que a ela se seguirem, senão por dívida que for feita nessa feira. E para que ninguém tema vir à feira, dou esta minha carta ao alcaide e aos alvazis que atenham no concelho da dita vila de Loulé.  E ponho tal intento nisto, que quem quer que faça mal àqueles que a esta feira vierem, paguem a mim seis mil soldos e dobre aquele que roubar a seu senhor.

E todos aqueles que vierem a essa feira com suas mercadorias paguem a minha portagem e todos os meus direitos sobre essa feira. Em testemunho desta coisa dei aos alvazis do concelho de Loulé esta carta.

Dada em Lisboa. Vinte e oito dias de julho. El-rei o mandou. S. E. Eanes a fez. Era de Mil Trezentos e Vinte Nove” [1291 da Era de Cristo].

Nos primeiros séculos da monarquia portuguesa, numa iniciativa que se estendia por toda a Europa, os reis patrocinavam a criação de feiras no seu território, como forma de dinamizar a economia local, regional e nacional. Depois de assegurada a conquista dos territórios que viriam a formar o país, a coroa preocupou-se com o desenvolvimento económico de todo o espaço nacional. Todos lucravam com isso, inclusive o próprio rei, que cobrava os seus impostos, nomeadamente a portagem1, nos termos definidos pelo foral de cada localidade, em relação a cada tipo de mercadoria transacionada. As feiras incluíam ainda uma dimensão cultural, juntando pessoas de diversas regiões, em que havia divertimentos de rua (malabarismos, saltimbancos, poesia, música e dança, teatro, etc.), e frequentemente coincidiam com festas religiosas, o que também contribuía para a afluência de mais pessoas. Era através das feiras que muitas vezes se tinha conhecimento de notícias e informações da corte, que de outro modo não podiam ser difundidas pela população na época.

No caso de Loulé, como já vimos antes, a sua feira foi a primeira criada no Algarve, quando na parte sul do Alentejo só existia a de Beja (1261) e a de Ourique (1288), ambas com a duração de um mês, vindo depois a ser criadas as de Alvito (1296) e Moura (1302).

Segundo a carta acima transcrita, tinha como data central o dia de S. Cipriano, santo e mártir cristão de século III, designado como S. Cipriano de Cartago2, onde foi bispo, e que se comemora a 16 de setembro. Desconhecendo-se a componente de fervor religioso pelo santo, supõe-se que seria uma altura importante para a economia local, no final do verão, com produtos agrícolas para escoar (figos, amêndoas, e outros frutos), e para a população local e regional se abastecer de outros produtos (alimentos, vestuário ou outros) para durarem o ano seguinte. Durava quinze dias, oito antes daquela data e os oito seguintes.

Para facilitar e incentivar a ida à feira, e evitar que quem quer que lá se deslocasse pudesse ser preso por dívidas anteriores, sejam a particulares sejam ao próprio rei (impostos), a carta expressava ainda que ninguém podia ser penhorado nem nos oito dias antes (ida), nem durante os seus quinze dias, nem nos oito seguintes (vinda), a não ser por dívida feita nessa feira. Quem isto não cumprisse, pagaria uma multa de seis mil soldos ao rei, e quem roubasse ao seu senhor pagaria em duplicado. Este calendário tornava possível a vinda a Loulé de pessoas de todo o Algarve e baixo Alentejo, em condições de segurança.

Claro que estes incentivos não eram exclusivos de Loulé, antes eram uma prática europeia na baixa Idade Média e eram designados como “paz da feira”, denotando claramente a força da intenção da Coroa nestes estímulos ao comércio interno.

Ainda neste documento, já escrito em português, como passou a ser usual com D. Dinis, saliento a entrega da carta de feira aos alvazis3 de Loulé, que deviam zelar para que a vontade do rei fosse cumprida em plenitude.

Finalmente, a data da criação da feira: 28 de julho de 1329 – trata-se da era de César, usada em Portugal até 1422, e que transposta para a era de Cristo, que atualmente seguimos, é 1291.

__________________

Notas:

1 Ao contrário do significado atual, portagem era o imposto cobrado pelo Rei, segundo o foral da localidade, numa qualquer transação comercial.

2 Este santo confunde-se muitas vezes com outro homónimo de Antioquia, de quem o que mais se fala é que tenha estado na sua juventude ligado à feitiçaria, magia negra e ciências ocultas (ver “Livro de S. Cipriano”).

3 Palavra de origem árabe que designava os juízes ou os vereadores de um concelho, e que passado cerca de um século tinha caído em desuso, substituída por aqueles.

Publicado em
Categorizado como História

11. A economia louletana no período cristão medieval

Já vimos que depois da reconquista cristã o Algarve terá sofrido um grande golpe nas suas estruturas económicas, principalmente no comércio marítimo que o território desenvolvia com o Mediterrâneo, em ambas as margens, quer na parte peninsular, quer no Norte de África. Foi preciso encontrar outros meios e áreas de desenvolvimento para fazer progredir a economia local.

Naturalmente era necessário prover o abastecimento de géneros alimentares para o sustento das populações que aqui viviam e das que aqui chegaram, vindas do Norte, em razão de povoamento e de defesa do novo território anexado.

O concelho de Loulé, como um dos maiores e dos primeiros a serem reorganizados sob a nova ordem politico- religiosa, vai ter um papel preponderante nessa reestruturação económica. O seu extenso território, a sua complementaridade entre diversas sub-regiões (serra, barrocal e litoral) permitiram às suas gentes produzir o essencial para o seu sustento e ainda para as povoações limítrofes (Faro, Albufeira, por exemplo).

O próprio foral de Loulé identifica algumas áreas económicas de interesse relevante do termo de Loulé, que já vinham do período anterior, no domínio árabe. As frequentes posturas medievais que a vereação da Câmara emitia e que conhecemos pelas atas das respetivas reuniões também nos fazem supor o pulsar da vida económica local com grande detalhe. De todo o conjunto de atas de 1378 (que marcam as mais antigas Atas Municipais do país) destaco a da sessão de 21 de abril que, em face de alguma desorganização existente até aí, procurou sistematizar as posturas que deviam ser cumpridas no concelho. A Prof. Ângela Beirante (obra citada), das suas pesquisas nos diversos documentos louletanos dos séc. XIII, XIV e XV, ajuda-nos a caracterizar essa vida económica:

A agricultura caracteriza-se pela produção de cereais, dos quais era normal o Algarve ter um deficit crónico, e a sua importância na alimentação humana e animal justifica as elevadas penas que seriam aplicadas a quem causasse danos às searas. Junto à vila pensa-se que os campos mais utilizados naos cereais seriam os da Campina de Cima e de Baixo, a Leste e Sudoeste da mesma, mas também outras zonas do concelho seriam cultivadas, fazendo de Loulé uma grande zona cerealífera do Algarve.

As hortas e ferragiais eram propriedade vedadas geralmente, cujas cercas deviam ser mantidas em bom estado. Existiam várias à volta da vila, em diversas partes, beneficiando da abundância de água da zona. Cultivavam-se legumes, hortaliças e frutas, nas hortas e cereais nos ferragiais. Utiliza-se a rega por meio de noras ou, junto à vila, aproveita-se as linhas de água locais – Cadoiço, Talvegue d’El-Rei, Carcavai (ou Cagavai, como parece ser conhecida na época medieval), em regime de repartição de águas pelos vizinhos, e coordenados com os moinhos de água que funcionavam nas mesmas ribeiras. O foral de Loulé refere explicitamente a horta do rei, como tendo pertencido temporariamente a D. Martim Gil (o Mordomo da Corte) e que ficava junto ao muro Sul da vila. Esta horta ficaria também famosa por, em 1404, o rei D. João I a ter arrendado ao mercador genovês João da Palma1 para nela plantar cana-de-açúcar, o que seria a primeira cultura em Portugal desta planta trazida das ilhas mediterrânicas. Também há referências à Horta Nova, topónimo que ainda existe. Ainda importante para muita gente, pelos muitos hortejos, seria pelos séculos fora a encosta sudoeste da vila, irrigada pelo Talvegue d’ El-Rei e o Cadoiço.

A cultura da vinha e a correspondente produção de vinho também foi muito praticada. Eram comummente contíguas às hortas e ferragiais, mas também as havia dispersas. O rei D. Afonso III fala delas no foral e reserva para si 40 arençadas2, bem como duas adegas em Loulé. As vinhas régias ficariam em Betunes, que seriam trabalhadas por Mouros forros, conforme o respetivo foral e ainda em Quarteira, bem como outras zonas do concelho propícias a tal cultura: Tor, Nave do Barão. Geralmente as vinhas eram propriedade cercada. Também sabemos do foral que o rei reservava para si o direito do relego (direito de vender o seu vinho antes dos outros), durante os primeiros três meses do ano. Mas não só o rei produzia vinho. Haveria muitos pequenos produtores que em conjunto teriam uma produção significativa. Também inferimos a importância deste cultivo, mais tarde, quando D. Afonso IV isentou os produtores de Loulé do pagamento da dízima da madeira que comprassem para o fabrico de tubas, tonéis e pipas, bem como para reparação das suas casas e adegas3.

A produção de figo era outra grande riqueza local. Os figueirais eram protegidos como pomar de sequeiro, também geralmente cercados, mas também em campo aberto. Mais uma vez o rei ficara com um grande figueiral na zona do Ludo, no litoral. Tradicionalmente o figo era conservado e substituía o pão nos períodos de carestia de cereais até um período muito tardio na população do Algarve.

Os olivais também eram muito acarinhados, muitas vezes junto às terras de pão. O corte de uma oliveira carecia de autorização da Câmara. A mancha olivícola do concelho era maioritariamente a sul da ribeira de Algibre ou da Tor.

A Norte, na zona da serra, encontrava-se especialmente o arvoredo endémico da região, tal como a azinheira, o sobreiro e o carvalho, sendo que curiosamente não aparecem nas posturas referências à amendoeira e à alfarrobeira. Estas zonas serviam maioritariamente para o abastecimento de lenha.

Ainda é de referir o espartal de Loulé que seria uma coutada do concelho que seria parcialmente arrendado ficando parte no rossio, como acontecia com o espartal de Silves. Colhia-se a partir de abril e servia para o fabrico de seirões, importantes para o transporte de mercadorias, e tinha uma determinada capacidade. Assim o seirão cavalar devia levar 4 cestos de uvas, figos ou cal e o seirão asnal (burro) levava 3.

Quanto à pecuária também era muito citada nas posturas medievais:

As vacas, éguas, ovelhas, cabras e porcos faziam parte da ocupação animal do concelho, em maneio extensivo, sempre tendo em atenção os possíveis danos que podiam infligir nas produções agrícolas. Andavam em rebanho, controladas por pastores responsabilizados pelos seus possíveis danos. Especialmente importante era a manada comum de gado bovino dos habitantes da vila – a adua, vigiado pelo adueiro4, homem responsável escolhido para exercer a função durante um ano a partir de 1 de abril.

Todo o gado, consoante as estações do ano, assim se deslocavam pelos diversos almargens/almarjões (Almargem de Bilhas, Vale Telheiro) do território do concelho. A zona litoral e onde havia mais culturas eram geralmente vedadas aos rebanhos. As cabras, mais daninhas sobre as culturas agrícolas eram maioritariamente criadas na zona da serra.

A apicultura fazia-se por todo o concelho, mas não se podiam instalar colmeias a menos de uma légua de distância da vila, nem perto das vinhas.

Na zona costeira, o reguengo de Quarteira, reservado pelo rei logo no foral, foi alvo de um aforamento coletivo em 1282, no tempo de D. Dinis5. Compunha-se de terras de pão, vinhas, matos, pauis, almargem, terras maninhas e vários moinhos (um deles construído pelo judeu Moisés Vidal que era foreiro em 12936. Também aqui o genovês João da Palma obteve carta de coutada7para a plantação de cana-de-açúcar que já experimentara em Loulé. Não deve ter durado muito tempo esta iniciativa porque, logo em 1413, o rei troca o reguengo pelo senhorio de Cernache do Alhos – Coimbra, com Gonçalo Nunes Barreto8. Nas atividades do litoral destacaremos as pescas, nomeadamente da baleia, numa tradição que já vinha do tempo dos Mouros, na costa de Quarteira. Esta atividade também foi referida no foral de Loulé e, como as outras já indicadas, também ficou reservada à propriedade do rei. Outras pescarias também se terão desenvolvido no litoral, tal como a pesca do atum, de que temos referências no séc. XVII sobre a armação do zimbral. Embora o foral não o refira explicitamente, a designação comum dos aparelhos de cerco para a pesca deste peixe – as almadravas –sendo um nome de origem árabe, indica-nos que já havia tradição desta pesca desde aqueles tempos. A pesca de outros peixes mais miúdos (sardinha, carapau, raia, corvina, cação, linguados e sáveis), por maioria de razão, também deveria ser praticada, sendo referidos na ata da vereação de 17 de março de 1378.

Também no litoral se produzia outro artigo extremamente importante para a economia e vida adas pessoas – o sal marinho – de que o rei igualmente reservou o monopólio da produção e venda, como consta do foral de 1266.

Sobre o comércio, distinguiremos entre o interno e o externo. Daquele, destacaremos a importância da feira de Loulé e a ação dos almocreves.

Sobre a feira podemos dizer que foi criada por D. Dinis, no ano de 1291, sendo a primeira do Algarve, e existindo apenas no baixo Alentejo a de Beja (1261) e Ourique (1288). Realizava-se em setembro, pelo S. Cipriano (dia 26) e durava 15 dias, antes e depois daquela data, em que todos aqueles que iam à feira estavam contemplados com a chamada “paz da feira”, garantindo-lhes segurança durante o tempo da mesma (oito dias antes, os quinze dias da sua duração e oito dias depois). Ninguém podia ser penhorado por qualquer dívida anterior durante esse tempo. Pagariam todos, naturalmente ao rei as devidas portagens e outros direitos. E as autoridades concelhias ficavam encarregues de assegurar essas garantias.  Era uma forma de incentivar o comércio e a economia locais, com interesse também para o rei.

Com carácter mais permanente existiam pontos de venda de produtos para o abastecimento das populações que no período medieval eram designados pelo açougue, tendas e fangas9.

Os almocreves eram homens que transportavam pelo interior serrano e para o Alentejo os produtos locais, em dorso de animais de carga, através das veredas difíceis da serra algarvia. Levariam do litoral fruta, vinho, vinagre, sal e peixe salgado; e trariam para aqui trigo e outros cereais. Na vila funcionavam igualmente as lojas de produtos alimentares e roupa, bem como o mercado público, com açougues e outras tendas, também referidas no foral.

Já quanto ao mercado externo, e apoiando-nos nos Prof. Luís Adão da Fonseca e José Augusto P. S. M. Pizarro (obra citada) daremos aqui a devida importância à exportação de fruta, especialmente de figos, passas e vinho, tal como o sal, o peixe salgado, os couros, a cortiça e o azeite. Nas importações, destaque para o ferro, os cereais e o próprio pão, dadas as tradicionais deficiências cerealíferas do Algarve, de que Loulé, apesar de tudo, não era das piores situações, porque o seu interior provinha grande parte das suas necessidades. Comerciava-se com a Andaluzia, Marrocos, Itália, França (La Rochelle), Inglaterra e a região Hanseática, mais distante. O porto mais utilizado para os produtos de Loulé seria o de Farrobilhas10, onde se carregavam os produtos que depois seguiam pelo de Faro. Os barcos seriam estrangeiros ou portugueses (Lisboa e Porto). Muitas vezes os portos algarvios ficavam na rota entre o Mediterrâneo e o Norte da Europa ou vice-versa.

Para defesa desta atividade em relação à pirataria e ao corso, quer moura quer de outros treinos peninsulares e de França, desde o tempo de D. Dinis no Algarve circulava uma esquadra portuguesa, que deveria ter a sua base em Tavira.

Quanto ao artesanato, dos mesteres necessários à vida das pessoas e à restante atividade económica, terá que ser reconhecido o papel dos moleiros dos moinhos de vento ou de água (rodízios), bem como, numa atividade de tecnologia parecida, a dos pisoeiros que trabalhavam a lã em instalações do tipo dos moinhos de água, e que também ficam reservadas para o rei no foral. Depois temos as atividades comuns nas comunidades medievais (e não só) – carpinteiros, ferreiros, sapateiros, oleiros, albardeiros e seleiros, pedreiros, etc. Alguns destes ofícios ainda hoje se mantém na toponímia de Loulé (oleiros, sapateiros) sendo conhecida a grande tradição na antiga vila da existência de muitos sapateiros.

Concluindo, o concelho de Loulé, pela sua dimensão e importância no contexto do Algarve medieval, representava um paradigma do que era a economia regional da época. Era importante a sua produção agrícola, mas também de carne, do interior, mas também dos artigos do litoral, de que se alimentava um próspero comércio interno e externo que se desenvolveu ao longo dos séculos, em articulação com o resto do país e das regiões envolventes, quer do Mediterrâneo, quer do atlântico, sabendo adaptar-se aos aspetos conjunturais, nomeadamente da época dos Descobrimentos.

__________________________

Notas:

  1.  ANTT – Chancelaria D. João I – livro II – pág. 200
  2. Arençada = unidade de medida do campo que se traduz pela dimensão de área lavrada por uma junta de bois durante um dia = jeira).
  3. ANTT – Chancelaria de D. Pedro I – fl. 72
  4. Ou adoveiro, conforme era referido nas atas;
  5. ANTT – Chancelaria de D. Dinis – Livro I – pág. 54 v
  6. ANTT – Chancelaria de D. Dinis – Livro II – pág.53
  7. ANTT – Chancelaria de D. João I – Livro II – pág. 200
  8. Alberto Iria – obra citada – pág. 392.
  9. Açougue – palavra de origem árabe, com o significado de mercado, feira, que depois ficou mais ligado à venda de carne. As fangas estavam ligadas à venda de cereais ou pão.
  10. Porto e povoação desaparecidos com o terramoto de 1755, um porto interior na zona poente da Ria Formosa, nos limites do concelho de Loulé com o de Faro.

Bibliografia:

ACTAS das VEREAÇÕES de LOULÉ – Vol. I – Câmara Municipal de Loulé – 1984

BEIRANTE, Ângela –  Comunicação sobre “Relação entre o Homem e a Natureza nas mais antigas posturas da Câmara de Loulé (séc. XIV) – Actas do Encontro Algarve/ Andaluzia de História Medieval – Loulé – 1984

FONSECA, Luís Adão da, e PIZARRO, José Augusto P. S. M. –  Comunicação sobre “Algumas considerações sobre o comércio externo algarvio na época medieval“ –  Idem  – ibidem

HERCULANO, Alexandre“Portugaliae Monumenta Historica, Leges et Consuetudines” – Vol. I – Lisboa, 1856 – pág. 706-708 – transcrito de: ANTT – Doações de D. Afonso III – Livro I – fl. 82v-83v (Foral de Silves, Faro, Loulé e Tavira);

– IRIA, Alberto“O Algarve nas Cortes medievais portuguesas – Lisboa 1982;

MARQUES, A.H. Oliveira “Introdução à História da Agricultura em Portugal “– Lisboa 1968;

Publicado em
Categorizado como História

10. A Restauração da Diocese e as Primeiras Igrejas do Algarve após a Reconquista

Como vimos atrás, após a reconquista, entre 1239 e 1249, do território algarvio, e depois de resolvida a querela de soberania com o Reino de Castela e Leão, foi altura de iniciar o processo de exercício de soberania, com a outorga das cartas de foral (em 1266) às principais povoações do Algarve.

Era importante organizar a defesa do território, e povoá-lo de gente cristã para sobrepor à população mourisca que por cá ficara, naturalmente, porque a maior parte aqui tinha nascido.

Mas também era necessário afirmar a nova fé – o Cristianismo – num território onde havia muitos séculos deixara de ser dominante. Efetivamente, ainda nos tempos do império romanos, algures entre 303 e 306 d.C., a região formara uma diocese cristã, com sede em Ossónoba (Faro), cujos bispos ficaram famosos em várias situações. Sabe-se, por exemplo que o bispo Vicente, primeiro prelado de que há registo, participou no Concílio de Elvira (séc. XIV), que foi a primeira grande reunião de todo o clero peninsular, com cerca de 19 bispos1.

Nos séculos seguintes a diocese terá continuado no período final do império romano, no período visigótico e mesmo muçulmano, neste caso naturalmente numa situação de segundo nível, porque os vencedores tinham uma outra religião. Como acontecia nestes casos de populações cristãs organizadas, relativamente bem toleradas sob o domínio muçulmano, formava-se uma comunidade moçárabe (tal como vários séculos depois as populações muçulmanas organizadas sob o domínio cristão formavam comunidades mudéjares).

Mas no período visigótico e muçulmano o topónimo Ossónoba fora dando lugar à designação de Santa Maria, depois de Santa Maria al-Harune, e mais tarde simplesmente a Harune, sendo que este último nome muçulmano provém do governante do séc. X, Ibne Harune, de onde deriva Farão / Faro.

Em 1189 D. Sancho I, ao conquistar Silves, recriou a diocese, mas de acordo com a tradição eclesiástica não se podiam criar novas dioceses onde nunca existira outra, e assim Silves não tinha esse direito, pelo que teve que ser oficialmente recuperada a de Ossónoba, mas já não em Faro, mas em Silves2. Nomeou seu bispo o clérigo flamengo Nicolau, que viera na expedição da 3ª Cruzada que participou na conquista. A recriada diocese ficava na dependência metropolitana3 de Braga, o que levantaria outro problema, porque Ossónoba tinha pertencido à província eclesiástica lusitana ou emeritense, com metrópole em Mérida. Província essa que, entretanto, passara para Santiago de Compostela. Embora Silves viesse a ser perdida novamente para ao Muçulmanos, logo em 1191, a questão teórica durou ainda alguns anos.

Só depois da reconquista definitiva do Algarve, em 1249, como já vimos noutro artigo, houve condições para o restauro definitivo da diocese, embora no contexto da querela entre os Reinos de Castela e Leão e o de Portugal pela soberania do Algarve. Foi em 1253 que o rei de Castela e Leão, Afonso X, o Sábio, nomeou o primeiro bispo para Silves, o frade dominicano D. Roberto, com doação perpétua de alguns bens imóveis que o rei de Portugal já tinha em seu poder. Já vimos em anterior artigo a questão também gerada por esta nomeação e que se resolveu provisoriamente no Tratado de Badajoz de 1267, com a integração do bispado de Silves na província eclesiástica de Sevilha. Durante décadas houve grande interação entre os dois bispados, com clérigos de Silves a participar frequentemente em atividades em Sevilha, embora tivesse havido algumas tentativas de Silves se eximir da sua dependência em relação a Sevilha, como terá acontecido em 1310, quando o arcebispo D. Fernando Gutierrez Tello exarou uma sentença de excomunhão sobre o bispo de Silves, D. João, porque este não cumpria com seus deveres  de sufragâneo, referindo-o como “…episcopus silvensis, indevotus suffraganeus noster…”. Já em meados do século, em 1352 parecem estar as coisas mais calmas, com a participação do bispo de Silves, D. Vasco, o seu mestre escola, D. Martim Gil, que também era cónego de Sevilha, e outro cónego, Arias Rodrigues, no primeiro concílio provincial que houve em Sevilha depois da restauração da sua igreja.

Como também já vimos, esta situação veio a terminar em 1394, depois de no ano anterior o Papa Bonifácio IX, em pleno Cisma do Ocidente e a pedido do rei D. João I, ter erigido a igreja de Lisboa como arquidiocese e metropolitana, e para a qual transitou Silves.

No entanto, logo após a reconquista do conjunto de povoações algarvias, em 1251, estima-se que o arcebispo de Braga, D. João Viegas, que acompanhava o rei D. Afonso III, tenha sido o responsável pela encomenda inicial do trabalho de construção das primeiras igrejas nessas mesmas povoações, para o que incumbiu os frades domini­canos dessa tarefa.

Naturalmente seria depois do primeiro acordo entre as partes, e depois da outorga dos forais, em 1266, às principais povoações algarvias, que o trabalho se teria iniciado. Em regra, não foram obras de raiz, mas sim adaptadas, “purificadas” e reconstruídas as anteriores mesquitas maiores que assim se tornaram nas suas igrejas principais. Sendo Silves a sede do bispado, é natural que tivesse honras de igreja principal, dando-se início em 1277 a profundas obras de (re)construção, que deram forma à sua catedral.

Como era tradicional, mesmo em épocas de transição de uma religião para outra, havia uma continuidade do espaço sagrado dentro da povoação, isto é, a nova religião estabelecia o seu templo no mesmo local (e normalmente na mesma estrutura) em que existira o templo da religião anteriormente dominante. A transição dependia sempre do grau de violência no ato da conquista e de destruição do símbolo religioso da civilização anterior. Quando havia maior ódio entre as partes, naturalmente a destruição era maior, e mais motivos havia para arrasar a estrutura existente.

O que aconteceu em Silves podemos considerar que aconteceu nas restantes localidades que aqui iremos focar.

Em Silves, nestas circunstâncias, a mesquita –mor da cidade foi substituída pela igreja cristã que passou a ser designada como Santa Maria de Silves (mais tarde Nossa Senhora da Conceição), numa alteração muito comum nas terras recém-conquistadas aos Mouros. Ao longo dos séculos ficou mais conhecida como a Sé de Silves, já que em Portugal, embora exista na prática (consubstanciada na cadeira – cathedra – do bispo nessa igreja) não se aplica comummente a designação de catedral, ao contrário da restante Europa.

A construção da igreja terá durado bastante tempo, até bem dentro do séc. XV, com a planta e as formas arquitetónicas e decorativas a seguir as linhas da arte gótica, evidenciando uma maior complexidade na sua cabeceira e transepto, tendo as três naves um aspeto mais austero (como evidenciou o Prof. Mário Chicó), separadas por robustas colunas de perfil oitavado em pedra local avermelhada (o grés de Silves). O portal principal está inserido num alfiz (elemento retangular englobante) em pedra do mesmo tipo, com um grande arco quebrado composto por arquivoltas dispostas em degraus, e capitéis influenciados pelos do Mosteiro da Batalha.

No aspeto geral tem uma monumentalidade e apresentação interior e exterior digna da catedral da diocese recém restabelecida.

Na catedral foi inicialmente sepultado o rei D. João II (que morreu em Alvor) no ano de 1495, até os seus restos mortais terem sido transferidos definitivamente para o Mosteiro da Batalha em 1499.

No séc. XVI, em 1577, o famoso bispo e humanista D. Jerónimo Osório fez transferir a sede da diocese para Faro, com a justificação de se estar a tornar a cidade bastante insalubre, devido ás águas paradas do rio Arade4. A igreja manteve a sua categoria de catedral, mas a sua influência naturalmente deixou de ser a mesma, o que de algum modo aconteceu com a cidade no seu todo, pelos séculos seguintes.

Situação inicial parecida teve também a igreja de Santa Maria de Faro (mais tarde de Nossa Senhora da Assunção), construída também no mesmo período, também onde antes estivera a mesquita-mor da povoação e eventualmente o primeiro templo cristão da velha Ossónoba. Desta fase inicial já pouco resta, para além da sua grande torre com arcos quebrados, que também serve de galilé, e alguns elementos no interior. As obras ao longo dos séculos e a necessidade de lhe dar uma maior imponência devido a ter-se tornado catedral no séc. XVI, alteraram significativamente a sua matriz gótica original, com transepto e três naves.

O prior de Santa Maria de Faro foi um dos 22 clérigos mais representativos das instituições religiosas da época que, em 12 de novembro de 1288, em Montemor-o-Novo, solicitou ao Papa Nicolau IV a criação em Portugal de um Estudo Geral (Universidade), prometendo o seu apoio para o custear, e que veio a ter a sua concretização por D. Dinis em 1290.

O mesmo se aplica à igreja de Santa Maria do Castelo, em Tavira, dedicada a Nossa Senhora dos Mártires, que foi a primeira destas povoações a ser reconquistada e por isso eventualmente a primeira a ver a sua mesquita-mor transformada em igreja. Aqui repousam os restos mortais dos sete cavaleiros cristãos que morreram às mãos dos Mouros numa emboscada que precedeu a conquista da vila pelas tropas do Mestre D. Paio Peres Correia (em 1239), cujo corpo também ali repousa.

A igreja sofreu graves danos com o terramoto de 1755, testemunhando-se que apenas ficou intacta a capela-mor original, tendo sido mandada reconstruir ‘à moderna’ pelo famoso bispo do Algarve D. Francisco Gomes do Avelar, que a sagrou novamente em maio de 1800, pelo que também restam poucos elementos góticos iniciais, para além da citada capela-mor e o portal principal.

Também a igreja de S. Clemente de Loulé foi construída entre a segunda metade do séc. XIII e inícios do séc. XV, sendo a única delas com um orago diferente de Santa Maria, não se conhecendo com exatidão a razão desta atribuição a um dos primeiros papas de Roma, pensando–se que teria a ver com o dia da conquista da vila (o que seria a 23 de novembro), embora não seja plausível a demora de oito meses desde a conquista de Faro, que sabemos que foi em março de 1249. Também é um templo de matriz gótica, de três naves, separadas por arcos quebrados, sem transepto, numa superfície quase quadrada. O pórtico principal é em ogiva e ostenta uma pequena espada da Ordem de Santiago. Tal como as outras, foi construída sobre a estrutura da antiga mesquita maior da povoação e, na parte superior da parede lateral norte, ainda se podem observar vestígios de uma janela de arco em ferradura árabe, descoberta há algumas décadas. Segundo a ficha do monumento da DGPC esta igreja, não sendo a mais monumental, é a mais típica das construções góticas algarvias e a menos alterada. Estas características permitem inseri-la no amplo movimento gótico de índole paroquial, que, adotando um simplificado modelo de templo mendicante, cobriu grande parte da paisagem portuguesa dos séculos XIII a XV.

O primeiro prior de Loulé conhecido foi Pedro Afonso, em 1263, e ao longo das décadas seguintes seguiram-se algumas figuras importantes ligadas à corte do rei ou da Ordem de Santiago.

O prior de S. Clemente de Loulé também participou na petição para a criação em Portugal de um Estudo geral em 1288, tal como o de Faro, o que também revela a importância económica das rendas desta igreja.

No dia 4 de dezembro de 1298, a igreja de S. Clemente passou para a Ordem Militar de Santiago por escambo (troca) feito entre o rei D. Dinis e o mestre da referida Ordem. Esta situação terá inspirado a colocação da espada de Santiago nas armas de Loulé, o que é um erro, porquanto foi só a igreja que pertenceu àquela Ordem Militar.

Embora o padroado das igrejas de Tavira, Faro e Loulé tivesse sido entregue à Ordem de Santiago, os seus rendimentos causaram atritos entre o bispado e a Ordem, pelo que logo em 1299 (Loulé) e 1301 (Faro e Tavira) se acordou na divisão a meias dos seus rendimentos, entre as duas partes.

Mais ou menos da mesma época foram surgindo nestas localidades alguns conventos, especialmente da Ordem Franciscana que também tinham uma matriz gótica.

São, portanto, estas igrejas as primeiras do Algarve cristão da época medieval e que ainda hoje são monumentos arquitetónicos e culturais de grande relevo regional e declarados monumentos nacionais ou de interesse público desde a primeira metade do séc. XX.

____________________________

Notas:

1 Ver Anexo:  I – Os bispos de Ossónoba.    

2 Ver Anexo: II – Os bispos de Silves.

3 Em teoria, o território eclesiástico organiza-se em províncias eclesiásticas (as arquidioceses, onde pontifica um arcebispo), às quais pertencem as dioceses (bispos). Atualmente esta dependência na prática já não se usa, estando bispos e arcebispos ao mesmo nível, dependentes de Roma.     

4 Ver Anexo: III – Os bispos de Faro. 

Bibliografia:

– CAMACHO, Isabel Montes Romero – Univ. Sevilha – Comunicação nas Jornadas Luso -Espanholas de história Medieval

LOPES, João Baptista Silva – “Memórias para a História Eclesiástica do Bispado do Algarve” – Academia Real das Ciências – Lisboa 1848

– MATTOSO, José – História de Portugal – Vol. II – Ed. Círculo de Leitores – 1993 – pág. 133-139

OLIVEIRA, Luís Filipe – “A Conquista, o padroeiro e os priores de Loulé” – Univ. Algarve/IEM

RIBEIRO, Ângelo – in “História de Portugal” Coordenação de Damião Peres – Vol. II – Barcelos – 1929; pág. 251/273;

VASCONCELOS, Damião Augusto –Notícias Históricas de Tavira” – Liv. Lusitana – Lisboa -1937

Anexo: Os Bispos do Algarve*

I: Os Bispos de Ossónoba referidos em documentação (e sua data):

– Vicente (306-314);

– Idácio, o Claro (380)

– Pedro (589)

– Saturnino (653)

– Exarno (666)

– Belito (683)

– Agripio (688, 693)

II: Os Bispos de Silves (33):

– Nicolau (11891191)

– Frei Roberto (12531261)

– Garcia (I) (12611268)

– Frei Bartolomeu (12681292)

– Frei Domingos Soares (12921297)

João (I) Soares Alão (12971310/c. 1310)

– Afonso (I) Anes (13121320)

– Pedro (I) (13221333)

Frei Álvaro (I) Pais (13331352)

– Vasco (13541367)

– João (II) (13671370)

Martinho (I) de Zamora (13711379), depois arcebispo de

Braga e bispo de Lisboa

– Pedro (II) (1383)

Paio Gonçalves de Meira (1384)

João (III) Afonso de Azambuja (13891390), também bispo do

Portode Coimbra e de  Lisboa e cardeal

– Martinho (II) Gil (13911401), primeira vez

– João (IV) Afonso Aranha (14041407)

– Martinho (II) Gil (14071409), segunda vez

Fernando (I) da Guerra (14091414), depois bispo do Porto e arcebispo de Braga

– João (V) Álvaro (14141418)

– Garcia (II) de Menezes (14181421)

Álvaro (II) de Abreu (14211429)

 -Rodrigo (I) (14291440)

– Rodrigo (II) Dias ou Rodrigo Diogo (1441-?)

– Luís Pires (14501453)

– Álvaro (III) Afonso (14531467), depois bispo de Évora

– João (VI) de Melo (14671480)

Jorge da Costa (14811485)

– João (VII) Camelo (14861501)

Fernando (II) Coutinho (15011538)

Manuel (I) de Sousa (15381545)

João (VIII) de Melo e Castro (15491564)

Jerónimo (I) Osório (15641577)

III: Os Bispos de Faro (33):

Jerónimo Osório (15771580)

Afonso (II) de Castelo Branco (15811585), depois bispo de Coimbra e vice-rei de

Portugal

Jerónimo (II) Barreto (15851589)

Francisco (I) Cano (15891594)

Fernando (III) Martins de Mascarenhas (15951616)

João (IX) Coutinho (16171626)

– Francisco (II) de Menezes (16271634)

Francisco (III) Barreto (I) (16341649)

– Francisco (IV) Barreto (II) (16711679)

José (I) de Menezes (16791685)

Simão da Gama (16851703), depois arcebispo de Évora

António (I) Pereira da Silva (17041715)

José (II) Pereira de Lacerda (17161738)

– Fr. Inácio (I) de Santa Teresa (17411751)

– Fr. Lourenço de Santa Maria e Melo (17521783)

André Teixeira Palha (17831786)

José (III) Maria de Melo (17861789)

Francisco (V) Gomes de Avelar (17891816)

Joaquim de Sant’Ana Carvalho (18201823)

– Fr. Inocêncio António das Neves Portugal (1824)

Bernardo António de Figueiredo (18251838)

António (II) Bernardo da Fonseca Moniz (18441854)

Carlos Cristóvão Genuês Pereira (18551863)

Inácio (II) do Nascimento Morais Cardoso (18641871), depois Patriarca de Lisboa

António (III) Mendes Belo (18841908), depois Patriarca de Lisboa

António (IV) Barbosa Leão (19081919)

Marcelino António Maria Franco (19201955)

Fr. Francisco (VI) Fernandes Rendeiro (19551966), depois bispo de Coimbra

Júlio Tavares Rebimbas (19661972)

Florentino de Andrade e Silva (19721977)

Ernesto Gonçalves Costa (19771988)

Manuel (II) Madureira Dias (19882004)

Manuel (III) Neto Quintas (desde 22 de Abril de 2004)

*Listagem retirada da obra citada de J. B. Silva Lopes (até 1848); e do site

https://pt.wikipedia.org/wiki/Diocese_do_Algarve

Publicado em
Categorizado como História

9. O Foral / Carta de Povoamento de Quarteira – 1297

Em 1297, o rei D. Dinis, a partir de Alcobaça, mandou exarar um documento que serviria o propósito de povoar um lugar do termo de Loulé que já era conhecido como Quarteira, e já fora citado no foral daquela vila explicitamente a propósito dos moinhos e das herdades que nele existiam, e implicitamente pela pesca da baleia que os muçulmanos já desenvolviam na costa algarvia, conjunto este de bens que o rei reservara para si e seus sucessores.  As herdades (no plural) deviam incluir aquela que ficaria a ser conhecida como quinta ou morgado de Quarteira que se manteve como reguengo até 1413, data em que viria a ser alvo de um escambo (troca) de D. João I com um fidalgo que que é localizado em Loulé em 13781 e que possuía anteriormente um senhorio em Cernache dos Alhos (Coimbra), de seu nome Gonçalo Nunes Barreto, cuja família viria a deter esse morgado até ao séc. XIX.

É um texto relativamente pequeno, já escrito em Português, depois de até ao reinado anterior se ter usado exclusivamente o Latim para os documentos oficiais da corte, e que transcrevo de seguida2:

 “Dom Denjs pela graça de deus Rey de Portugal e do Algarve a quantos esta carta uirem ffaço saber que martin mercham ueo a njm e pediu-me per mercee que eu lhy desse o meu logar que chamam quarteira com todos seus termhos per a ssi e pera cinquoenta pobradores omeõs quem hy aduria e lhes desse afforo de lixboam E eu querendo-lhes fazer graça e mercee do a elles e a todos seus sucessores qual que elle ueerem o dito seu logar de Quarteira com todos seus termhos que o provoarem ao foro de lixboam E elles e todos seus sucessores deuem fazer a mjm e a todos meus sucesores cumpridamente todolos foros e todalas cousas que som contehudas e no dito foro de lixboam e retenho pera mjm e peratodos meus sucessores os padroados das Igrejas e de moynhos feitos e por fazer Outrossi os açougues Em testemunho desta cousa dey ende ao dicto martin mercham e aos povradores que ao dicto logar veeren esta mynha cartam Datam em Alcobaça quinze dias de nouembro El Rei o mandou Franciscum annes o fez Era 1335 anos” [1297 da era de Cristo].

Para mais fácil leitura, transcrevo ainda em grafia atualizada:

“Dom Dinis pela graça de Deus Rei de Portugal e do Algarve a quantos esta carta virem faço saber que Martim Mercham veio a mim e pediu-me per mercê que eu lhe desse o meu lugar que chamam Quarteira com todos seus termos para si e para cinquenta povoadores homens que aí levaria e lhes desse foro de Lisboa. E eu querendo-lhes fazer graça e mercê dou a eles e a todos seus sucessores qual que ali vierem o dito seu lugar de Quarteira com todos seus termos que o povoarem ao foro de Lisboa. E eles e todos seus sucessores devem fazer a mim e a todos meus sucessores cumprindo todos os foros e todas as coisas que são contidas no dito foro de Lisboa e retenho para mim e para todos os meus sucessores os padroados das Igrejas e de moinhos feitos e por fazer. Outrossim os açougues. Em testemunho desta coisa dei ainda ao dito Martin Mercham e aos povoadores que ao dito lugar vierem esta minha carta. Data em Alcobaça aos quinze dias de novembro. El Rei o mandou, Francisco Anes o fez. Era 1335 anos” [1297 da era de Cristo].

Pelo que se depreende do texto, a iniciativa foi do tal Martim Mercham, que desejava vir a ocupar com mais cinquenta homens (a que corresponderiam mais as respetivas famílias) este espaço do litoral do concelho de Loulé, para atividades que se presumem ligadas ao mar e/ou à agricultura. Nada refere sobre a quinta de Quarteira, pelo que essa continuaria como reserva do rei.

Este documento também é conhecido como foral de Quarteira, mas não veio a criar um novo concelho nem faz referência a Loulé, ao qual pertencia. Visa o mesmo objetivo de povoamento de zonas desocupadas ou até aí ocupadas pelos Mouros, mas parece não ter tido na prática a consequência da criação de uma determinada zona administrativa (termo / concelho), pelo que não é verdadeiramente considerada uma carta de foral, preferindo assim os historiadores chamar a este documento uma carta de povoamento3.

Tanto quanto se sabe, esta iniciativa não teve grandes consequências sequer a nível do povoamento desta localidade. Isto é, não se veio a formar uma povoação de dimensão significativa junto à costa, talvez porque fora os terrenos do morgado não houvesse solo fértil para a agricultura, e a atividade piscatória livre não tivesse rendimentos suficientes para o sustento de uma população significativa. Por outro lado, a vida junto à costa não era fácil ao longo dos séculos seguintes, devido à pirataria moura que frequentemente assaltava as reservas agrícolas e levava como reféns pessoas que tomava de surpresa para serem posteriormente resgatadas. Isso era mais frequente no final do verão, quando as colheitas (nomeadamente de figos) estavam disponíveis, e justificaria a existência em Quarteira de uma torre de vigia, articulada com a Torre da Vela em Loulé, que só foi destruída em meados do séc. XX.

Se efetivamente a iniciativa tivesse tido êxito, logo na altura, eventualmente poderia ter-se vindo a criar um novo concelho em Quarteira e arredores, o que de algum modo iria colidir com os interesses do reguengo e posterior morgado local.

O certo é que Quarteira se manteve até ao início do século passado como uma pequena localidade piscatória que só as últimas gerações viram crescer significativamente, tendo sido elevada à categoria de vila em 1984, e tornando-se cidade em 1999.

Notas:

            1 Atas das Vereações de Loulé – vol. I – Primavera de 1378 – Ed. CML – 1984

2 ANTT – Chancelaria de D. Dinis – Liv. I – fl. 35. Publicada por João Carlos Santos em https://www.avozdoalgarve.pt/detalhe.php?id=19931

       3 Já Alexandre Herculano considerava que os forais designavam exclusivamente os documentos que serviam de base jurídica para a criação de concelhos.

Publicado em
Categorizado como História

8. Foral dos Mouros Forros de Silves, Tavira, Loulé e Santa Maria de Faro – 1269

“Em nome de Deus e por sua graça. Saibam todos os que esta carta virem que eu, Afonso, pela graça de deus Rei de Portugal e do Algarve, com minha mulher a Rainha D. Beatriz, filha do ilustre Rei de Leão e Castela e com os nossos filhos e filhas os Infantes D. Dinis, D. Afonso, D. Fernando, D. Branca e D. Sancha, faço carta de foro e segurança a vós, Mouros que sois forros em Silves, Tavira Loulé e Santa Maria de Faro.

Mando que nenhum [meu] cristão ou judeu tenha poder de fazer-vos mal ou vos forcem, mas só quem for o vosso alcaide vos julgue. E isto faço para que vós me deis em cada ano cinco morabitinos pagos por cinco notáveis vossos no tempo em que apanhardes os vossos frutos. E me dareis alfitra e azaqui1, e a dízima de todo o vosso trabalho. E trabalhareis para sempre as minhas vinhas e lagares e fareis estritamente o meu vinho tal como o fazem os meus mouros forros de Lisboa; e em todas as outras coisas deveis fazer e usar como usam e fazem os meus mouros forros de Lisboa. Assim, esta carta tenha sempre segurança e ninguém a ouse violar nem os vossos foros. E eu sobredito rei Afonso, com a minha mulher e meus filhos e filhas supraditos, que mandei fazer esta carta, assino-a e confirmo-a; e para maior clareza disto fiz a presente carta ser autenticada com o meu selo de chumbo. Feita em Lisboa, aos doze dias de junho. Era de mil trezentos e sete [1269 da era de Cristo].

Foram presentes João Soeiro Coelho, Rodrigo Garcia de Paiva, Fernando Fernandes Cogominho, Pedro Martins Petarinho, Afonso Soeiro sobrejuiz, Martinho Peres, Domingos Vicente, Domingos Peres, João Fernandes, Estêvão de Rates, Vicente Eanes clérigo do senho Rei, testemunhas;

D.Gonçalo Garcia alferes terratenente de Neiva, D. João de Aboim, Mordomo da Cúria; D. Afonso Lopes, terratenente de Riba de Minho; D. Diogo Lopes, terratenente de Lamego; D. Pedro Eanes terratenente da Beira; D. Mendo Rodrigues, terratenente da Maia; D. P. Ponces, terratenente de Vouga; D. Estêvão Eanes, terratenente de Chaves; D. Pedro Eanes de Portel, terratenente em Sintra e Leiria, confirmam.

D. Martinho Arcebispo de Braga; D. Vivente, Bispo do Porto; D. Pedro, Bispo de Lamego, está vaga a sé de Viseu; vaga a de Coimbra e a da Guarda; D. Mateus, Bispo de Lisboa, D. Durando, Bispo de Évora, D. Bartolomeu, Bispo de Silves, confirmam;

D. Estêvão Eanes, Chanceler da Cúria, confirmo. Vicente Fernandes escrivão da Cúria a fez”.

Comentário:

Dada a importância dos mouros que ficaram a viver sob o domínio cristão no Algarve, o Rei D. Afonso III ainda se preocupou com a criação de condições e garantias para a sua sobrevivência, porque a sua força de trabalho era imprescindível para a economia local. Assim, em Lisboa, em 12 de junho de 1269, o rei outorgou a estes um foral específico, que ficou conhecido como Foral dos Mouros Forros (livres) de Silves, Tavira, Loulé e Santa Maria de Faro, dirigindo-se a eles como os meus mouros forros também segundo o modelo aplicado aos mouros forros de Lisboa. Em contrapartida, tinham que pagar anualmente cinco morabitinos ao rei, bem como a alfitra e o azaqui (1) e ainda a dízima do trabalho. Continuaram a existir nos séculos seguintes nas principais povoações algarvias, tal como noutras povoações do Sul, embora naturalmente, segundo os padrões da época, vivendo em bairros periféricos – as mourarias, à semelhança dos judeus que viviam em bairros equivalentes – as judiarias. Como não poderiam ter bens imóveis, os mouros que ficaram desenvolviam trabalhos braçais (ofícios), e trabalhavam nas terras e instalações (lagares) que o rei reservara para si nos concelhos.

Notas:

(1) Alfitra e azaqui – tributos específicos pagos pelos mouros aos seus governantes, em géneros, e que continuaram a ser pagos aos reis cristãos pelos mouros forros dos concelhos.

Bibliografia:

HERCULANO, AlexandrePortugaliae Monumenta Historica, Leges et Consuetudines – 1856 – Pág. 715-16 – transcrito de Doações de D. Afonso III – Livro I – fl. 97v.

Publicado em
Categorizado como História

7. Foral de Tavira – 1266

Tradução portuguesa de cópia manuscrita em Latim

(séc. XIV-XV)

“Em nome de Cristo e na sua graça. Seja conhecido de todos, quer presentes, quer futuros, que eu, Afonso, por graça de deus rei de Portugal, com a minha esposa a rainha D. Beatriz, filha do ilustre rei de Castela e Leão, e nossos filhos e filhas os infantes D. Dinis, D. Afonso, D. Branca e D. Sancha, faço carta de foro a vós povoadores de Loulé, isto é, dou e concedo a vós, povoadores de Loulé, presentes e futuros, o foro, usos e costumes da cidade de Lisboa, exceto na jugada de o1, que vos desobrigo para sempre.

E reservo para mi e todos os meus sucessores todos os fornos de pão e todas as salinas construídos ou por construir, construídas ou por construir em Tavira e seu termo, e todas as tendas de Tavira que os reis sarracenos detinham no tempo dos sarracenos.

Item reservo para mim e todos os meus sucessores que não se venda outro sal em Tavira que não seja o meu sal.

Também reservo para mim e todos os meus sucessores que o vizinho de Tavira que quiserem levar vinho de Tavira ou do seu termo, pague a mim, de cada tonel de vinho que comprar, meio morabitino. E aquele que não for vizinho pague do vinho que levar, um morabitino por cada tonel. E por isso desobrigo-vos a vós e aqueles que transportarem vinho de Tavira e seu termo daqueles almudes de vinho que dão em Lisboa de portagem do vinho levam por mar, salvo o direito de relego2, no tempo dos três meses de relego.

Também reservo para mim e meus sucessores as casas que foram de Abenfabilla3 e a adega de Alfeição e a horta que foi de Abenfabilla e a outra horta que costumava o bispo ter e todas as figueiras e vinhas que recebi para os meus reguengos, conforme estejam demarcadas ou por demarcar. E as azenhas da ponte, e todos os moinhos da Asseca construídos ou por construir e os pisões e azenhas aí feitos ou que fizerem, exceto os moinhos que costumava ter Domingos Ruiz que dei a D. João de Aboim5 por seu herdamento por minha carta com selo de chumbo.

 De igual modo retenho para mim e todos os meus sucessores os açougues, e fangas4 e banhos de Tavira, e a pesca da baleia e todo o padroado das igrejas das igrejas construídas e a construir em Tavira e seu termo.

E em todas as outras coisas além das referidas, dou e concedo-vos o foro, usos e costumes da cidade de Lisboa cujo foro é igual a este. Portanto dou-vos como foro também as restantes coisas que acima são expressas na supradita carta registada de foro de Silves”.

______________________________

Notas:

1 Jugada de pão = imposto cobrado em géneros (cereais cultivados) pelo rei por cada junta de bois de lavoura;

2 Relego = direito senhorial de vender o seu vinho antes dos outros;

3 Abenfabilla – último governante (alcaide?) muçulmano de Tavira e que aparece também na lenda moura de Salir;

4Açougues e fangas – pontos de comércio de produtos alimentares.

5 D. João de Aboim – Mordomo-mor da Corte de D. Afonso III. Acompanhou o Conde de Bolonha por terras de França e participou na conquista do Algarve. Pai de Pedro Eanes de Portel.

Destaques:

– Dado por D. Afonso III, na presença de toda a família real, em Lisboa, no ano de 1266;

– Segue o foro, usos e costumes dados à cidade de Lisboa em 1179, pelo paradigma do foral de Silves, que se aplica também aos restantes forais dados na mesma data a outras localidades do Algarve: Santa Maria de Faro e Loulé;

– Cria o concelho de Tavira, e atribui à povoação a categoria administrativa de vila;

– Para ser devidamente entendido, deve ser acrescentado ao texto do foral de Silves, no qual se discriminam todas as regalias dadas aos diversos grupos sociais; os impostos a pagar ao rei nos vários tipos de transações comerciais; e as penas a aplicar nas diversas tipologias de crimes cometidos;

– A parte designada como foral de Tavira é apenas o conjunto de situações específicas aplicáveis a esta vila:

– Isenta os habitantes de Tavira do pagamento da jugada de pão (taxa sobre as juntas de bois de lavoura); isenta-os também do pagamento dos almudes de vinho que os habitantes de Lisboa pagavam de portagem do vinho que levavam por mar;

– Explicita os diversos bens imóveis que o rei reserva para si e seus sucessores: fornos, salinas, os moinhos da Asseca, pisões e as azenhas da ponte; casas, hortas, vinhas, a adega de Alfeição, lagares, e um figueiral; os açougues, fangas e banhos;

– Estabelece o monopólio da Coroa na produção e venda do sal;

Estabelece o direitode relego para o seu vinho;

– Marca o direito de padroado sobre as igrejas construídas e a construir em Tavira e seu termo;

– Identifica o nome de Domingos Ruiz como tendo possuído moinhos; o antigo rei muçulmano Abenfabilla como possuidor de casas e horta; e o bispo com uma horta; todos estes bens agora passavam para a posse do rei.

Bibliografia:

ANTT – Doações de D. Afonso III – Livro I – fl. 82v-83v – Forais de Silves, Faro, Loulé e Tavira;

Publicado em
Categorizado como História

6. Foral de Loulé – 1266

Cópia manuscrita (séc. XIV-XV) em Latim do Foral de Loulé

Tradução portuguesa:

“Em nome de Cristo e na sua graça. Seja conhecido de todos, quer presentes, quer futuros, que eu, Afonso, por graça de deus rei de Portugal, com a minha esposa a rainha D. Beatriz, filha do ilustre rei de Castela e Leão, e nossos filhos e filhas os infantes D. Dinis, D. Afonso, D. Branca e D. Sancha, faço carta de foro a vós povoadores de Loulé, isto é, dou e concedo a vós, povoadores de Loulé, presentes e futuros, o foro, usos e costumes da cidade de Lisboa, exceto na jugada de o1, que vos desobrigo para sempre.

 E reservo para mim e todos os meus sucessores todos os fornos de pão e todas as salinas construídos e a construir, construídas e a construir em Loulé e no seu termo e todas as tendas de Loulé que os reis sarracenos tinham no tempo dos sarracenos.

Também reservo para mim e todos os meus sucessores que não se venda outro sal em Loulé, nem no seu termo, que não seja o meu sal.

Também reservo para mim e todos os meus sucessores que o vizinho de Loulé que queira levar vinho de Loulé ou do seu termo, me pague de cada tonel de vinho que comprar, meio morabitino. E aquele que não for vizinho pague do vinho que levar, um morabitino por cada tonel. E por isso desobrigo-vos a vós e aqueles que transportarem vinho de Loulé de Loulé e seu termo daqueles almudes de vinho que dão em Lisboa de portagem do vinho levam por mar, salvo o direito de relego, no tempo dos três meses de relego2.

De igual modo reservo para mim e todos os meus sucessores todos os moinhos de Quarteira, construídos e por construir. E os pisões ou azenhas se as fizerem.

E do mesmo modo reservo todas as herdades de Quarteira para meu reguengo. Também reservo para mim em Loulé quarenta arençadas3 de vinha conforme são demarcadas para meus reguengos por aqueles que as receberam por e para mim.

Também reservo para mim a horta que costumava ter D. Martim Gil e as casas e adega e o lagar que costumava ter Domingos Ruiz. E a adega que costumava ter o deão de Braga e o figueiral que costumava ter Domingos Ruiz.

Também reservo para mim e todos os meus sucessores os açougues e fangas4 e banhos de Loulé e todo o direito de padroado das igrejas construídas e a construir em Loulé e seu termo. E a pesca da baleia.

E em todas as outras coisas além das referidas, dou e concedo-vos o foro, usos e costumes da cidade de Lisboa cujo foro é igual a este. Portanto dou-vos como foro também as restantes coisas que acima são expressas na supradita carta registada de foro de Silves”.

______________________________

Notas:

1 Jugada de pão = imposto cobrado pelo rei em géneros (cereais cultivados) por cada junta de bois de lavoura;

2 Relego = direito senhorial de vender o seu vinho antes dos outros;

3 Arençadas = unidade agrária correspondente ao que uma junta de bois lavra num dia = jeira;

3 Açougues e fangas – pontos de comércio de produtos alimentares.

Destaques:

– Dado por D. Afonso III, na presença de toda a família real, em Lisboa, no ano de 1266;

– Segue o foro, usos e costumes dados à cidade de Lisboa em 1179, pelo paradigma do foral de Silves, que se aplica também aos restantes forais dados na mesma data a outras localidades do Algarve: Santa Maria de Faro e Tavira;

– Cria o concelho de Loulé, e atribui à povoação a categoria administrativa de vila;

– Para ser devidamente entendido, deve ser acrescentado ao texto do foral de Silves, no qual se discriminam todas as regalias dadas aos diversos grupos sociais; os impostos a pagar ao rei nos vários tipos de transações comerciais; e as penas a aplicar nas diversas tipologias de crimes cometidos;

– A parte designada como foral de Loulé é apenas o conjunto de situações específicas aplicáveis a esta vila:

– Isenta os habitantes de Loulé do pagamento da jugada de pão (taxa sobre as juntas de bois de lavoura); isenta-os também do pagamento dos almudes de vinho que os habitantes de Lisboa pagavam de portagem do vinho que levavam por mar;

– Explicita os diversos bens imóveis que o rei reserva para si e seus sucessores: fornos, salinas, moinhos, pisões e azenhas; quarenta arençadas de vinha, adegas, lagares, hortas e um figueiral; as herdades de Quarteira; os açougues, fangas, tendas e banhos;

– Estabelece o monopólio da Coroa na produção e venda do sal;

Estabelece o direitode relego para o seu vinho;

– Marca o direito de padroado sobre as igrejas construídas e a construir em Loulé e seu termo;

– Identifica o nome de Domingos Ruiz como tendo possuído um figueiral, casas, adega e lagar; a horta de D. Martim Gil; e uma adega do Deão de Braga; todos estes bens agora passavam para a posse do rei.

Bibliografia:

ANTT – Doações de D. Afonso III – Livro I – fl. 82v-83v – Forais de Silves, Faro, Loulé e Tavira;

Publicado em
Categorizado como História

5. Foral de Santa Maria de Faro – 1266

Tradução portuguesa da transcrição manuscrita em Latim que se conhece:

“Em nome de Cristo e na sua graça. Que de todos, quer presentes, quer futuros, seja conhecido que eu, Afonso, pela graça de Deus Rei de Portugal, com muinha mulher a Rainha Dona Beatriz, filha do ilustre  Rei de Castela e Leão, e nossos filhos e filhas, os infantes D. Dinis, D. Afonso, D. Branca e D. Sancha, faço carta de foro a vós, povoadores de Santa Maria de Faro, isto é, dou e concedo a vós, povoadores de Santa Maria de Faro, presentes e futuros, foro, usos e costumes da cidade de Lisboa, exceto na jugada de pão1 de que vos desobrigo para sempre.

E reservo para mim e todos os meus sucessores todos os fornos de pão e todas as salinas, construídos e a construir, em Santa Maria de Faro e no seu termo.

Também reservo para mim e todos os meus sucessores as casas e a adega que eu costumava ter desde o tempo em que recebi a vila dos sarracenos.

E retenho para mim as vinhas que costumava ter Domingos Ruiz, e todos as figueiras de Marim e todas as antigas instalações que foram de azenhas de pão, ou que vierem a construir, ou pisões ou moinhos.

Igualmente retenho para mim e todos os meus sucessores todas as tendas que os reis sarracenos costumavam ter no tempo dos sarracenos.

Também reservo para mim e todos os meus sucessores que não se venda outro sal em Santa Maria de Faro, nem no seu termo, que não seja o meu sal.

Igualmente retenho para mim e todos os meus sucessores que o vizinho de Santa Maria de Faro que queira levar vinho de Santa Maria de Faro ou do seu termo me pague meio morabitino por cada tonel que comprar. E aquele que não for vizinho, pague um morabitino por cada tonel que levar. E igualmente desobrigo-vos e àqueles que transportarem vinho de Santa Maria de Faro e seu termo daqueles almudes de vinho que pagam em Lisboa de portagem do vinho que levam por mar, salvo o direito do relego durante os três meses de relego2

E reservo para mim e para os meus sucessores os açougues e fangas3 e banhos de Santa Maria de Faro e a pesca da baleia e todo o direito de padroado das igrejas construídas e a construir em Santa Maria de Faro e seu termo.

E todas as outras coisas, além das referidas, dou e concedo-vos a vós povoadores de Santa Maria de Faro, foros usos e costumes da cidade de Lisboa, o qual foro é igual a este. Portanto dou-vos como foro também as outras coisas acima escritas na carta de foro de Silves”.

Bibliografia:

ANTT – Doações de D. Afonso III – Livro I – fl. 82v-83v – Forais de Silves, Faro, Loulé e Tavira;

Cópia em Latim publicada também na brochura “A Tomada de Faro por D. Afonso III foi há 732 anos” – J. A. Pinheiro e Rosa – Ed. C. M. Faro – 1981

______________________________

Notas:

1 Jugada de pão = imposto cobrado em géneros (cereais cultivados) pelo rei por cada junta de bois de lavoura;

2 Relego = direito senhorial de vender o seu vinho antes dos outros;

3 Açougues e fangas – pontos de comércio de produtos alimentares.

Destaques:

– Dado por D. Afonso III, na presença de toda a família real, em Lisboa, no ano de 1266;

– Segue o foro, usos e costumes dados à cidade de Lisboa em 1179, pelo paradigma do foral de Silves, que se aplica também aos restantes forais dados na mesma data a outras localidades do Algarve: Loulé e Tavira;

– Cria o concelho de (Santa Maria de) Faro, e atribui à povoação a categoria administrativa de vila; o nome da povoação deriva da devoção ancestral a Santa Maria e ao nome do último governador muçulmano da povoação – Ibne Harune, que deu depois Farão, e finalmente Faro (como veremos noutro artigo posteriormente);

– Para ser devidamente entendido, deve ser acrescentado ao texto do foral de Silves, que foi feito a partir do de Lisboa (1179) no qual se discriminam todas as regalias dadas aos diversos grupos sociais; os impostos a pagar ao rei nos vários tipos de transações comerciais; e as penas a aplicar nas diversas tipologias de crimes cometidos;

– A parte designada como foral de Faro é apenas o conjunto de situações específicas aplicáveis a esta vila:

– Isenta os habitantes de Faro do pagamento da jugada de pão; isenta-os também do pagamento dos almudes de vinho que os habitantes de Lisboa pagavam de portagem do vinho que levavam por mar;

– Explicita os diversos bens imóveis que o rei reserva para si e seus sucessores: fornos, salinas, moinhos e azenhas; vinhas, adegas, lagares, hortas e as figueiras de Marim; os açougues, fangas, tendas e banhos;

– Estabelece o monopólio da Coroa na produção e venda do sal;

Estabelece o direitode relego para o seu vinho;

– Marca o direito de padroado sobre as igrejas construídas e a construir em Faro e seu termo;

– Identifica o nome de Domingos Ruiz como tendo possuído vinhas que agora passavam para a posse do rei.

Publicado em
Categorizado como História

4. O Foral de Silves – 1266

Glossário:

 Jugada de pão = imposto cobrado pelo rei por cada junta de bois de lavoura;

– Relego = direito senhorial de vender o seu vinho antes dos outros;

– Açougues e fangas – pontos de comércio de produtos alimentares.

Destaques:

– Dado por D. Afonso III, na presença de toda a família real e de várias personalidades da corte em Lisboa, agosto de 1266 (1304 na era de César];

– Segue o foro, usos e costumes dados à cidade de Lisboa em 1179, e é o paradigma dos restantes forais dados na mesma data a outras localidades do Algarve: Santa Maria de Faro, Tavira e Loulé;

– Em termos formais, é o documento fundacional do concelho de Silves;

– Discrimina todas as regalias dadas aos diversos grupos sociais dos habitantes de Silves; os impostos a pagar ao rei nos vários tipos de transações comerciais; e as penas a aplicar nas diversas tipologias de crimes cometidos;

– Isenta os habitantes de Silves do pagamento da jugada de pão (taxa sobre as juntas de bois de lavoura);

– Explicita os diversos bens imóveis que o rei reserva para si e seus sucessores: fornos, salinas, moinhos de Odelouca e azenhas; vinhas, adegas, lagares, hortas e figueirais; os reguengos de Lagoa e Arrochela; açougues, fangas, tendas e banhos;

– Estabelece o monopólio da Coroa na produção e venda do sal;

Estabelece o direito de relego para o seu vinho (nos primeiros três meses só se vende o vinho do rei);

– Marca o direito de padroado sobre as igrejas construídas e a construir;

Publicado em
Categorizado como História