“Em nome de Deus e por sua graça. Saibam todos os que esta carta virem que eu, Afonso, pela graça de deus Rei de Portugal e do Algarve, com minha mulher a Rainha D. Beatriz, filha do ilustre Rei de Leão e Castela e com os nossos filhos e filhas os Infantes D. Dinis, D. Afonso, D. Fernando, D. Branca e D. Sancha, faço carta de foro e segurança a vós, Mouros que sois forros em Silves, Tavira Loulé e Santa Maria de Faro.
Mando que nenhum [meu] cristão ou judeu tenha poder de fazer-vos mal ou vos forcem, mas só quem for o vosso alcaide vos julgue. E isto faço para que vós me deis em cada ano cinco morabitinos pagos por cinco notáveis vossos no tempo em que apanhardes os vossos frutos. E me dareis alfitra e azaqui1, e a dízima de todo o vosso trabalho. E trabalhareis para sempre as minhas vinhas e lagares e fareis estritamente o meu vinho tal como o fazem os meus mouros forros de Lisboa; e em todas as outras coisas deveis fazer e usar como usam e fazem os meus mouros forros de Lisboa. Assim, esta carta tenha sempre segurança e ninguém a ouse violar nem os vossos foros. E eu sobredito rei Afonso, com a minha mulher e meus filhos e filhas supraditos, que mandei fazer esta carta, assino-a e confirmo-a; e para maior clareza disto fiz a presente carta ser autenticada com o meu selo de chumbo. Feita em Lisboa, aos doze dias de junho. Era de mil trezentos e sete [1269 da era de Cristo].
Foram presentes João Soeiro Coelho, Rodrigo Garcia de Paiva, Fernando Fernandes Cogominho, Pedro Martins Petarinho, Afonso Soeiro sobrejuiz, Martinho Peres, Domingos Vicente, Domingos Peres, João Fernandes, Estêvão de Rates, Vicente Eanes clérigo do senho Rei, testemunhas;
D.Gonçalo Garcia alferes terratenente de Neiva, D. João de Aboim, Mordomo da Cúria; D. Afonso Lopes, terratenente de Riba de Minho; D. Diogo Lopes, terratenente de Lamego; D. Pedro Eanes terratenente da Beira; D. Mendo Rodrigues, terratenente da Maia; D. P. Ponces, terratenente de Vouga; D. Estêvão Eanes, terratenente de Chaves; D. Pedro Eanes de Portel, terratenente em Sintra e Leiria, confirmam.
D. Martinho Arcebispo de Braga; D. Vivente, Bispo do Porto; D. Pedro, Bispo de Lamego, está vaga a sé de Viseu; vaga a de Coimbra e a da Guarda; D. Mateus, Bispo de Lisboa, D. Durando, Bispo de Évora, D. Bartolomeu, Bispo de Silves, confirmam;
D. Estêvão Eanes, Chanceler da Cúria, confirmo. Vicente Fernandes escrivão da Cúria a fez”.
Comentário:
Dada a importância dos mouros que ficaram a viver sob o domínio cristão no Algarve, o Rei D. Afonso III ainda se preocupou com a criação de condições e garantias para a sua sobrevivência, porque a sua força de trabalho era imprescindível para a economia local. Assim, em Lisboa, em 12 de junho de 1269, o rei outorgou a estes um foral específico, que ficou conhecido como Foral dos Mouros Forros (livres) de Silves, Tavira, Loulé e Santa Maria de Faro, dirigindo-se a eles como os meus mouros forros também segundo o modelo aplicado aos mouros forros de Lisboa. Em contrapartida, tinham que pagar anualmente cinco morabitinos ao rei, bem como a alfitra e o azaqui (1) e ainda a dízima do trabalho. Continuaram a existir nos séculos seguintes nas principais povoações algarvias, tal como noutras povoações do Sul, embora naturalmente, segundo os padrões da época, vivendo em bairros periféricos – as mourarias, à semelhança dos judeus que viviam em bairros equivalentes – as judiarias. Como não poderiam ter bens imóveis, os mouros que ficaram desenvolviam trabalhos braçais (ofícios), e trabalhavam nas terras e instalações (lagares) que o rei reservara para si nos concelhos.
Notas:
(1) Alfitra e azaqui – tributos específicos pagos pelos mouros aos seus governantes, em géneros, e que continuaram a ser pagos aos reis cristãos pelos mouros forros dos concelhos.
Bibliografia:
HERCULANO, Alexandre – Portugaliae Monumenta Historica, Leges et Consuetudines – 1856 – Pág. 715-16 – transcrito de Doações de D. Afonso III – Livro I – fl. 97v.