A exemplo do que aqui fiz há algum tempo sobre Quarteira, vou hoje fazer uma pequena incursão na linguística (local), novamente referindo que não sou um especialista na matéria, mas apenas alguém que reflete sobre algumas situações curiosas nesta matéria. Se alguém que saiba mais do que eu, quiser apresentar explicações mais científicas para o que apresento, agradeço que o faça.
Concretizando: na zona sul do Baixo Alentejo, na área (pelo menos) dos concelhos de Castro Verde, Almodôvar e Mértola, que conheço relativamente bem, as pessoas têm o costume de se referir a alguns topónimos (nomes de localidades) de uma forma curiosa, que pode causar alguma dificuldade de perceção a quem não é da zona. Assim, por exemplo, dizem “estive na do Fialho”, “vou à do Corvo”, “fui à de Boi”, “à dos Grandes”, “a do Pinto”, “à de Neves”, etc.
Para quem é de fora, nota-se que falta aqui no meio da expressão qualquer palavra que a torne inteligível, mas que os locais entendem perfeitamente, e usam habitualmente. Não é uma falta completa da palavra, porque ela está subentendida, e daí não terem problema no seu entendimento. Mas, para complicar, também não existe uma explicação única para identificar a palavra em falta: poderia ser casa / herdade / povoação / aldeia, em todo o caso, como se depreende, sempre uma palavra no feminino. Vejamos cada uma das possibilidades:
Casa – também utilizam a expressão “fui à do meu tio”, ou “venho da do meu primo”, naturalmente querendo dizer que “fui à casa do meu tio” ou “venho da casa do meu primo”. Em todo o caso, referem-se a uma casa individual, de habitação ou de comércio (taberna/venda), de alguém conhecido de todos, pelo que neste caso não se aplicaria;
Herdade – típica fórmula da organização fundiária do Alentejo, que terá criado no seu contexto povoados com várias pessoas;
Povoação – referindo-se a qualquer aglomerado de habitações de maior ou menor dimensão;
Aldeia – povoação já com algum significado populacional e/ou administrativo.
Pelo conhecimento que temos dos costumes locais, também excluiria aldeia como sendo a palavra subentendida. E isto porque na zona as pessoas só chamam aldeia à sede de freguesia, à qual se referem quando dizem “vou à aldeia”, tal como dizem “vou à vila” quando se referem à sede de concelho.
Sobre herdade, poderá ter sido a origem de muitos pequenos núcleos habitacionais, mas hoje isso já não tem significado para a maioria dos topónimos a que nos referimos.
Assim, para mim, a palavra subentendida que melhor se adapta, seria povoação, ou outro sinónimo no feminino.
Também é curioso que, quando alguém, pelas suas funções, tinha necessidade de grafar a expressão (por exemplo, os antigos párocos no registo de batismo, a JAE na identificação das localidades nas estradas) incorria geralmente em erro, porque não sendo da zona, não percebia esta forma de falar. É o caso por exemplo, de “a Donegas” por “a do Negas” (em S. Pedro de Sólis), ou de “Dogueno” por “a do Gueno”, sendo que a forma Dogueno se fixou pela placa da estrada nacional nº 2.
Claro que esta forma de subtender palavras não é exclusiva da zona. Há regiões onde as mulheres dizem “o meu (marido)”, como também se verifica na expressão humorística “Ó Abreu, dá cá o meu (dinheiro)!” .
Como diz o nosso povo, “Para bom entendedor… (meia palavra basta).”