No espaço que compõe o território do concelho de Loulé encontramos vestígios da presença humana desde os tempos da pré-história, em todos os períodos marcantes da história de Humanidade (que se pode perfeitamente comprovar na coleção do Museu Municipal da cidade e como se viu na excecional exposição que o Museu Nacional de Arqueologia, em Lisboa, teve patente ao público há poucos anos). Temos objetos em pedra do Paleolítico; outros mais diversificados do Neolítico (cerâmica, pedras de mós e outros utensílios para o uso de populações que se estavam a sedentarizar); menires, antas e estelas com a célebre escrita do Sudoeste (que valorizam sobremaneira a história do interior do nosso concelho, e que individualizam esta região em relação a toda a Península Ibérica e Europa), da época em que se trabalhavam os primeiros metais; objetos e estruturas de habitações dos períodos romano e muçulmano, que por cá se mantiveram vários séculos; utensílios, ferramentas, construção civil e militar, igrejas e conventos, documentação de vários tipos, objetos vários dos períodos medieval e moderno, até aos nossos dias.
Mas a fundação da povoação de Loulé, na sua localização atual, não é tão antiga como os períodos mais remotos atrás citados. Tanto quanto se conhece hoje, Loulé teria sido uma povoação fundada no período muçulmano, uma alcaria com o nome al-Ulyã, implantada algures entre o séc. VIII e IX, de que derivaria o nome de Loulé, e assim se desenvolveu enquanto centro urbano de média dimensão ao longo do período em que os denominados “Mouros” por cá foram dominantes (entre os séculos VIII e XIII). Há também a versão lendária do nome da vila, atribuída ao rei de Leão Fernando I, o Magno, (1037-1065) que teria dito que a árvore que se via sobre as suas muralhas era um loureiro (“Laurus est”), de onde teria derivado o nome de Loulé. Mas essa é a lenda, com certeza menos provável que a designação muçulmana.
Durante a fase muçulmana, principalmente no período almóada (séc.s XII e XIII), Loulé não teria a importância de Silves, a grande cidade árabe do Al Garb, no Al Andaluz, mas rivalizava na sua dimensão e importância económica com Faro e Tavira, num segundo nível de povoações na região.
A sua tomada aos Mouros teria sido provavelmente na primavera de 1249, talvez ainda em março, logo a seguir à tomada de Faro que também é apresentada como tomada nesse mês. A original invocação da sua principal igreja a S. Clemente tem feito alguns pensarem que teria sido conquistada no dia deste santo (23 de novembro), mas é uma situação pouco plausível, porque muito distante da data da conquista de Faro (março de 1249) e, sabe-se também, que os dois lideres da conquista de Faro, depois dessa conquista se afastaram da região: o Mestre de Santiago (D. Paio Peres Correia) já estava em Alcácer do Sal nesse mesmo mês de março, e D. Afonso III estava no Crato em maio seguinte.
A importância semelhante destas povoações algarvias é comprovada pela atribuição simultânea das cartas de foral em 1266, pelo rei D. Afonso III, depois da reconquista em 1249 e da resolução do contencioso com o rei de Castela (Fernando III e Afonso X) sobre o respetivo domínio, que só terminou com o acordo de 1263 e confirmado definitivamente pelo Tratado de Badajoz, de 1267. Igualmente às mesmas povoações foi entregue por D. Afonso III o chamado foral dos Mouros Forros (1269), que garantia a segurança dos mouros que tinham ficado por cá depois da reconquista. Da mesma época é o início da construção das igrejas principais destas povoações, na generalidade dos casos reconstruídas ou adaptadas a partir das antigas mesquitas maiores da era muçulmana (no caso de Loulé a igreja de S. Clemente, em estilo gótico paroquial).
Do foral de Loulé também fica identificado o reguengo de Quarteira que o rei reservou para si e seus sucessores, e que D. João I veio a trocar com Gonçalo Nunes Barreto (fidalgo descendente de figuras importantes das cortes de D. Sancho II e D. Afonso III, cujo ramo de família se teria radicado em Loulé depois da reconquista), em 1413, recebendo o senhorio de Cernache-Coimbra, e dando assim origem ao Morgado de Quarteira (zona da atual Vilamoura), que duraria por muitos séculos.
É provável que a povoação tenha sofrido alguma quebra com o fim do domínio árabe, naturalmente com o estrangulamento das linhas comerciais entre o litoral sul do Garb-Al-Andaluz e o Norte de África. Durante muitos séculos o comércio inter-regional fora um elemento de desenvolvimento económico que seria afetado com a conquista cristã e a distância e dificuldades de comunicação com o Centro e Norte de Portugal não se traduziriam no imediato numa substituição de mercado.
No entanto, a pouco e pouco, ao longo do período medieval cristão, Loulé foi-se estruturando como um importante centro económico da região, essencialmente baseado na produção agrícola (fruta, vinho, cereais, frutos secos, azeite) na criação de gado, no artesanato e na pesca, cujos produtos serviam para o consumo interno, mas também para o abastecimento de outras povoações da região e até para a exportação, como é o caso dos figos secos e passas de uva. Deste período, especialmente importante foi a época da revolução de 1383-85, em que Loulé vincadamente assumiu o lado do Mestre de Avis, contra os interesses de D. Beatriz e D. João I de Castela, com muitas outras praças algarvias, mas que não deixou de ser um risco enfrentado, dada a desproporção, à partida, das forças em contenda. Os procuradores de Loulé marcaram posição em diversos atos públicos, conforme o atestam as atas de vereação da época, aliás, as mais antigas atas municipais portuguesas conhecidas (desde 1378), e que, por isso mesmo, representam um dos maiores símbolos do património histórico de Loulé.
Na fase dos Descobrimentos, Loulé manteve uma importância grande, principalmente no período quatrocentista, como retaguarda de abastecimento de víveres para as praças do Norte de África, para o acolhimento de doentes e feridos dessas guerras (para o que D. Afonso V terá criado em Loulé o primeiro hospital do Algarve – 1471), e marca também um papel histórico na plantação de cana-de-açúcar que, vinda do Mediterrâneo, aqui terá sido pela primeira vez plantada no início do séc. XV (provavelmente na Horta d’ El-rei), no contexto de um contrato de um contrato de arrendamento celebrado com o mercador genovês João da Palma, em 1404, e daqui levada para o morgado de Quarteira e depois cultivada em abundância na ilha da Madeira e no Brasil (séc. XVI).
Recebeu foral novo do rei D. Manuel I, em 1504, documento a partir do qual se pode fazer o repositório económico local, com as taxas cobradas pelos diversos negócios.
Nos séculos seguintes, o papel histórico de Loulé não terá sido tão notório, mas manteve a sua importância económica regional, sede de um grande concelho e conciliando a vertente agrícola com a do comércio, que ao longo dos séculos se foi afirmando. Neste período, outras povoações do Algarve foram ganhando importância, especialmente as situadas no litoral, como Faro, Lagos e Tavira, depois também Portimão e Albufeira, enquanto Loulé e Silves, mais interiores, perderam protagonismo.
Do séc. XIX diremos que a economia louletana foi aprofundando a atividade comercial, criando um importante núcleo social burguês que foi dando conta da sua existência desde o período da implantação do liberalismo e guerra civil dos Liberais contra Absolutistas (1828-34) e o período subsequente, em que a sua posição marcadamente liberal sofreu os ataques das guerrilhas miguelistas do Remexido, acoitadas no interior serrano do concelho, onde se destaca o massacre de 24 de julho de 1833, com a morte de dezenas de pessoas às mãos dos guerrilheiros. Em 1873 foi aberta a Av. Marçal Pacheco, em direção à estrada que liga à capital algarvia, substituindo o caminho tradicional para sul que saía da porta de Faro.
Do séc. XX gostaria de destacar em Loulé o dinamismo urbanístico, com a abertura da Avenida José da Costa Mealha, da década de 1920, pontuada de edifícios marcantes, alguns dos quais já desaparecidos, destacando o Cineteatro Louletano do final dessa década. Depois, na segunda metade deste século, o incremento do turismo trouxe nova dinâmica desenvolvimentista, não propriamente na sede do concelho, mas na faixa litoral do mesmo (Quarteira, Vilamoura, Vale do Lobo, Quinta do Lago, etc.) que se refletiram também na sede do concelho.
Loulé manteve durante estes séculos a categoria de vila, uma importante vila, que a fazia ser considerada a “sexta cidade do Algarve” até 1988, data em que passou a ser cidade, com as respetivas cinco torres nas suas armas.
BIBLIOGRAFIA
– ACTAS das VEREAÇÕES de LOULÉ – Vol. I – Câmara Municipal de Loulé – 1984
– HERCULANO, Alexandre – “Portugaliae Monumenta Historica, Leges et Consuetudines” – Vol. I – Lisboa, 1856 – pág. 706-708 – transcrito de: ANTT – Doações de D. Afonso III – Livro I – fl. 82v-83v (Foral de Silves, Faro, Loulé e Tavira);
– HERCULANO, Alexandre – “Portugaliae Monumenta Historica, Leges et Consuetudines” – Vol I – Lisboa, 1856, pág. 715-716 – transcrito de: ANTT – Doações de D. Afonso III – Livro I – fl. 97v (Foral dos Mouros Forros).
– MARTINS, Isilda Maria Pires – “O Foral de Loulé de 1266” – Câmara Municipal de Loulé – 1989
– OLIVEIRA, Luís Filipe – “A Conquista, o padroeiro e os priores de Loulé” – Univ. Algarve /IEM