39 – Mértola, a vila-museu

Mértola é uma vila do Alentejo que sempre deixa maravilhado quem por lá passa ou a visita a propósito da sua geografia e/ou história riquíssimas. Diferente de tudo o que existe, nomeadamente no sul de Portugal, e que não deixa ninguém indiferente.

A sua geografia é extraordinária, pelo desenvolvimento do espaço habitado sobre uma colina, ou espalhado pela sua encosta, mas principalmente pela sua relação com o rio Guadiana e a ribeira de Oeiras que a bordejam, o primeiro a leste e a sul, e a segunda a oeste. A sua entrada oeste, pela ponte sobre aquela ribeira, na estrada que vem do Algarve ou de Almodôvar, dá logo uma ideia da sua espetacular localização, que deve ser complementada com a vista que se obtém com uma ida à margem sul do Guadiana, qualquer delas valendo uma viagem a propósito para a admirar. Os dois cursos de água, que se juntam a sudoeste da vila, correm em vales profundos, que distam em altitude várias dezenas de metros do alto da colina onde está a igreja matriz e o castelo da vila. Todo o vasto panorama faz-nos pensar na genialidade da escolha do local para a antiga povoação. Vale também a pena dizer que sempre foi fácil a navegabilidade do Guadiana dali até à sua foz, e que até ali se fazem sentir os movimentos das marés, mesmo que o mar se situe a cerca de 65 Km (pelo curso do rio).

Pela sua história se reconhece que foi um importantíssimo porto fluvial desde a Antiguidade e por onde passaram os povos antigos do Mediterrâneo – Fenícios, Gregos e Cartagineses – que contactavam com os que estavam radicados neste território da antiga Ibéria –  Cónios, Turdetanos, Tartéssicos – por motivos comerciais, no I milénio a. C.  A proximidade de várias explorações mineiras da região, e da planície cerealífera alentejana, atrairia fortemente todos estes povos à procura de metais importantes e alimentos para a economia mediterrânica da época.

Depois os Romanos, que lá deixaram importantes vestígios móveis e principalmente urbanísticos, que ainda hoje podem ser visitados – criptopórtico, basílica, forum, torre-couraça, vias e outros elementos relacionados com o seu modo de vida e religião, no paganismo ou já no cristianismo. Chamavam-lhe na época Mirtilis ou Mirtilis Iulia.

Mas aqueles que deixaram maior herança cultural foram os Árabes (vulgo Mouros), a partir do séc. VIII e até ao séc. XV, mesmo depois da reconquista cristã. Fixando-se no mesmo espaço antigo, onde os Romanos já tinham estado, desenvolveram novas formas de ocupação do solo, no alto da colina sobranceira à zona fluvial, e aí também deixaram a sua marca no castelo, na mesquita (depois transformada em igreja cristã), no casario e na necrópole. Para além naturalmente das tradições, gastronomia, modo de vida, religião e arte. Era nesta época denominada de Martulá, e chegou a ser capital de um pequeno reino de taifa, no século XI, quando o Al-Andalus muçulmano estava muito dividido politicamente, antes das unificações dos califados Almorávida e Almóada (1086 – 1212).

Foi conquistada para a Coroa portuguesa em 1238, no reinado de D. Sancho II, pelas forças da Ordem de Santiago comandadas pelo mestre D. Paio Peres Correia, tendo sido reconvertida para o contexto cristão, nomeadamente na “purificação” e adaptação da sua mesquita-mor a igreja matriz. Tomava o nome atual de Mértola, recebendo a sua Carta de Foral em 1254, do rei D. Afonso III, que lhe estabeleceu o concelho.

Ao longo da sua história no período cristão, passou por um prolongado estado de adormecimento, não tendo nitidamente uma importância tão grande como a que teve no período romano e mouro, a julgar pelo que se pode conhecer hoje, depois dos trabalhos de pesquisa arqueológica desenvolvidos a partir dos finais dos anos 1970, pelo reconhecido historiador Cláudio Torres e a sua equipa multidisciplinar e a instituição que criaram – o Campo Arqueológico de Mértola.

Só a exploração efémera das Minas de S. Domingos, entre finais do séc. XIX e meados dos anos 1960, teria sido outro ponto alto da economia e riqueza do concelho, que hoje se debate com os mesmos problemas do mundo rural e interior de Portugal, esquecendo os tempos gloriosos que a sua história conheceu.

Mas a hoje conhecida como vila-museu merece bem uma (ou mais do que uma) visita em nome da sua espetacular localização e do património cultural que encerra e ilustra.

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