Saio hoje da minha área regional sulista para um plano, diria nacional, de um texto conhecido e muito interessante do ponto de vista literário e histórico.
Algumas das páginas mais ricas da literatura portuguesa são, com certeza, as do Capítulo XIII das “Viagens na Minha Terra” de Almeida Garrett, em que ele discorre sobre os frades e os barões do seu tempo, em meados do século XIX.
Esta obra-prima do romantismo português foi publicada pela primeira vez em 1846, relatando uma viagem pelo vale do Tejo, entre Lisboa e Santarém, datada de 1843 no texto. Mas não é pela descrição do percurso que vimos agora a este tema, mas sim pela análise mordaz e assertiva que faz à sociedade do seu tempo, criticando a nova situação politico-social, em que após a guerra civil (1832-34), entre Absolutistas (Miguelistas) e Liberais, e com a legislação de Joaquim António de Aguiar (1834), o relevo anterior que tinha tido o Clero, nomeadamente o regular (monges e frades), dera lugar à Alta Burguesia que se tinha apropriado, através da hasta pública oficial, também dos vultuosos bens imóveis eclesiásticos (conventos, mosteiros, terras) espalhados por todo o país.
Desde o século XVIII que os Burgueses progressistas defendiam a mudança social e política tentando aceder aos centros de decisão política e à posse da terra, entrando naturalmente em choque com as ordens sociais dominantes (Clero e Nobreza) que dominavam essas áreas. Uma vez chegados ao poder com a Revolução Liberal de 1820, era previsível o conflito entre os Liberais progressistas e aquelas ordens privilegiadas e conservadoras. No plano ideológico, o Clero acusava o toque das novas ideias do Liberalismo, e definia os Liberais como “inimigos do Trono e do Altar”, salientando o facto de serem contra a Monarquia Absoluta e a tradição da Igreja na sociedade portuguesa. Os Liberais, por seu lado, imbuídos do espírito iluminista de Montesquieu, Rousseau e Voltaire, combatiam os privilégios da Igreja, e principalmente do Clero Regular com a sua antiga estrutura fundiária.
No entanto, a nova situação que decorria da vitória liberal na guerra civil, em que claramente se pôs em causa a estrutura secular do Antigo Regime, como o demonstra claramente o texto de Garrett, deixava fortemente desiludida a grande massa de liberais de menos posses que, julgando-se vitoriosa com a capitulação do Clero, estava agora dependente da Alta Burguesia. Afinal, conclui o Autor, os genuínos liberais não compreenderam os frades, nem estes compreenderam aqueles. Conclui mesmo que, depois de conhecer tudo o que se passou com aquela mudança, a expulsão dos frades foi mesmo uma asneira como nunca houve outra. Agora já era tarde, mas Garrett deixa escrito que “antes queria a oposição dos frades que a dos barões”!
Entrava-se assim na era dos Barões, que marcaria praticamente toda a segunda metade do século XIX, num tempo em que se generalizava a atribuição dos títulos de Barão e Visconde a todos aqueles que se iam distinguindo pelo seu poder económico e social. Eram já tantos que Garrett diria mais tarde, “foge cão que te fazem Barão! Mas para onde, se me fazem Visconde? Ele que mais tarde viria a ser também o Visconde de Almeida Garrett…
No próximo post, deixo então o texto de Almeida Garrett, ligeiramente encurtado, para que os leitores o possam fruir, entendendo o seu contexto histórico.