Mais uma vez neste espaço me aventuro por uma área da linguística que pessoalmente acho curiosa, procurando explicação para a utilização de palavras e o seu significado, na maneira de falar das populações do Sul de Portugal.
Neste caso, venho falar de um nome que é muito comum na toponímia do SE do País. Efetivamente, nas povoações do interior central e leste do Algarve e no território contíguo do Baixo Alentejo, há um nome que se repete: é a palavra “Corte” (substantivo comum singular, feminino, lida com o O aberto, como sorte, norte, porte ou morte).
Vejamos alguns exemplos, eventualmente os mais conhecidos:
– Concelho de Loulé: Corte Garcia (freguesia de Querença); Corte d’Ouro e Corte João Marques
(Ameixial); Cortelha e Cortinhola (Salir), que podem ser entendidos como diminutivos de corte;
– Concelho de Tavira: Corte Serrano (Cachopo);
– Concelho de Alcoutim: Corte da Seda;
– Concelho de Castro Marim: Corte Gago; Corte Pequena (Odeleite);
– Concelho de Vila Real de Santo António: Corte António Martins (Cacela);
– Concelho de Almodôvar: Corte Fidalgo e Corte Cabo (S. Barnabé); Corte Pinheiro e Corte Figueira
Mendonça (Santa Cruz); Corte Zorrinho (Almodôvar);
– Concelho de Mértola: Corte Pinto e Corte Gafo.
Qual o significado e a razão da proliferação deste nome nesta região alargada do SE do país?
Vamos apresentar algumas ideias:
Na generalidade de Portugal a palavra corte, como nome comum e popular (não confundir com a Corte do Rei), tem um significado relacionado com um abrigo para gado, local ou espaço onde se recolhem à noite os animais herbívoros e domésticos que pastam nos campos. Tal como curral.
Poderia haver alguma relação destes topónimos com esta aceção da palavra, já que este território rural tem uma grande tradição histórica de pastorícia, e poder-se-á admitir que os rebanhos em presença fixa, ou em transumância, precisariam de algum espaço onde fossem recolhidos quando fosse necessário. Sabemos também que em séculos passados os rebanhos de pequenos herbívoros (caprinos e ovinos, principalmente) da zona litoral do Algarve eram deslocados no verão para o interior serrano, para os desviar dos frutos maduros da época, como os figos e as uvas, onde podiam causar danos nas colheitas. É o caso concretamente, por exemplo, do concelho de Loulé, onde era prática corrente essa deslocação entre o S. Tiago (25 de julho) e o S. Miguel (29 de setembro). Neste contexto, para identificar devidamente cada um dos poisos desses rebanhos, poderia dar-se a alguma povoação que lhe ficasse próxima este nome comum, a que se acrescentava o nome próprio. Ou até mesmo ser esse abrigo a originar a fixação de população num determinado local, e ter-lhe sido atribuído um nome em função disso. Esta é uma hipótese que poderia explicar o nome e a sua difusão …
Mas, para além de ser uma hipótese, nem todas as componentes são coincidentes e confirmam a explicação. Há um aspeto que considero relevante e que não condiz: se essa fosse a explicação para o nome e a sua frequência, seria de constatar que este nome continuasse a ser comum na vida corrente das pessoas que continuam neste território a viver da criação de gado. Ora o que acontece é que no vocabulário popular deste território (tanto quanto me é dado conhecer), não se utiliza a palavra corte para designar estes espaços ou instalações para o gado. Pelo menos no último século. Os nomes utilizados são curral, arramada, estábulo, pocilga, dependendo do tipo de animais que se abrigam. Assim sendo não fica a explicação anterior, que parecia plausível, confirmada pela tradição oral e escrita e, portanto, ficamos no limiar da explicação.
Uma vez mais, não tendo certezas, aqui apresento este tema, que poderá interessar a alguém que saiba mais do que eu, e que nos possa ajudar…