Enquadramento histórico e geográfico
Escrita do Sudoeste é o nome pelo qual é conhecido um conjunto de caracteres fonéticos gravados em pedras locais – estelas – com cerca de 2500 anos (período da Idade do Ferro peninsular, anterior à conquista romana), que desde há muito têm sido encontradas no sudoeste da Península Ibérica. Em particular, o espaço onde têm sido identificadas mais estelas gravadas é no território português, no interior serrano dos concelhos de Loulé e de Silves, e de Almodôvar e Ourique, confinantes entre si e por onde se estende a Serra do Caldeirão.
No concelho de Loulé, destacam-se os territórios das freguesias do Ameixial, Salir e Benafim. Na primeira destas freguesias foi encontrada uma dezena de estelas (num total de cerca de 75 identificadas em território português). Os sítios dos Vermelhos, Tavilhão, Azinhal dos Mouros, Portela e outros da parte ocidental da freguesia (e bem perto, a Corte Pinheiro, já no Alentejo), ladeando o curso inicial da ribeira do Vascão e o do Vascanito, deram a conhecer a maior parte dessas peças, e presume-se que ainda haja mais por descobrir. Muitas destas “pedras com letras” foram descobertas em situação de reutilização nas paredes das casas ou em demarcação de terrenos.
Esta localização numa zona de relativa interioridade, como a indicada nos concelhos referidos, também é interessante, considerando que os povos desta região se abriam ao Mediterrâneo e contactaram por diversos meios e motivos com as civilizações marítimas coevas baseadas nas suas margens, como os Fenícios, Gregos e Cartagineses. Neste canto da Península, antes dos Romanos (fins do séc. III a. C.), viveram diversos povos com as designações (algumas redundantes) de Cónios, Cinetes, Turdetanos, Tartessos e outros, alguns dos quais presumivelmente estiveram de alguma forma ligados a esta escrita. Uma das mais celebradas cidades desta região no período pré-romano era Conistorgis, que terá chegado à época romana, havendo referência de autores romanos, e cuja localização exata também ainda hoje permanece obscura. E, no entanto, é longe da costa, na serra, que se encontraram quase todas as estelas.
A escrita do Sudoeste está considerada como a mais antiga da Península Ibérica e a terceira mais antiga da Europa, depois do grego arcaico (Linear A e B da Civilização Cretense), e da escrita fenícia. Conhecem-se os sons que cada símbolo reproduz (portanto consegue ler-se), mas ainda hoje permanece indecifrável o seu significado, a exemplo, aliás do citado grego arcaico, apesar de ter havido muitas sugestões e tentativas de leitura. Faltará encontrar-se por aqui o equivalente à pedra de Roseta e ao sr. J-F. Champollion para os hieróglifos egípcios…
É uma escrita sinistrorsa (escreve-se da direita para a esquerda, modelo que é usado em outras escritas do Próximo Oriente, como o árabe e o hebraico). As estelas estavam colocadas na vertical sobre a terra, com cerca de 1/3 da sua altura enterrada, e a escrita está naturalmente na sua parte descoberta, desenvolvendo-se em arco, começando em baixo, seguindo o contorno exterior da estela, no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio.
Alguns arqueólogos amadores fizeram pesquisas e colecionaram peças que foram levadas para os Museus de Arqueologia em Lisboa e Faro, como José Rosa Madeira e Manuel Gomez Sosa, ambos ligados à freguesia do Ameixial, o primeiro por nascimento e o segundo por lá ter residido.
Grandes nomes da arqueologia nacional como os Drs. Estácio da Veiga, Leite de Vasconcelos e Caetano Beirão, e a louletana Drª Isilda Martins pesquisaram e deixaram obra escrita sobre este assunto.
Nos últimos anos, desde 2008, tem sido desenvolvido um amplo trabalho de pesquisa e divulgação no âmbito do chamado Projeto Estela, onde se têm destacado os arqueólogos Pedro Barros e Samuel Melro e que tem posto este tema na atualidade cultural da região.
Almodôvar tem o principal museu desta escrita, mas Loulé, no seu Museu Municipal (castelo) também mostra algumas estelas deste período.
A Escrita do Sudoeste é assim uma das jóias da coroa do nosso património histórico-cultural que até há poucos anos não tem tinha a devida atenção e divulgação. Não há muitas áreas da cultura (ou outras) que tenham a importância e a projeção deste tema para as freguesias e concelhos envolvidos, o que deveria ser motivador da autoestima das suas populações, pelo que tudo o que for feito para dar a conhecer este tema será positivo.