30 – A Escrita do Sudoeste

Enquadramento histórico e geográfico

Escrita do Sudoeste é o nome pelo qual é conhecido um conjunto de caracteres fonéticos gravados em pedras locais – estelas – com cerca de 2500 anos (período da Idade do Ferro peninsular, anterior à conquista romana), que desde há muito têm sido encontradas no sudoeste da Península Ibérica. Em particular, o espaço onde têm sido identificadas mais estelas gravadas é no território português, no interior serrano dos concelhos de Loulé e de Silves, e de Almodôvar e Ourique, confinantes entre si e por onde se estende a Serra do Caldeirão.

No concelho de Loulé, destacam-se os territórios das freguesias do Ameixial, Salir e Benafim. Na primeira destas freguesias foi encontrada uma dezena de estelas (num total de cerca de 75 identificadas em território português). Os sítios dos Vermelhos, Tavilhão, Azinhal dos Mouros, Portela e outros da parte ocidental da freguesia (e bem perto, a Corte Pinheiro, já no Alentejo), ladeando o curso inicial da ribeira do Vascão e o do Vascanito, deram a conhecer a maior parte dessas peças, e presume-se que ainda haja mais por descobrir. Muitas destas “pedras com letras” foram descobertas em situação de reutilização nas paredes das casas ou em demarcação de terrenos.

Fig. 1 – Estela do Viameiro – Salir – Loulé

     Esta localização numa zona de relativa interioridade, como a indicada nos concelhos referidos, também é interessante, considerando que os povos desta região se abriam ao Mediterrâneo e contactaram por diversos meios e motivos com as civilizações marítimas coevas baseadas nas suas margens, como os Fenícios, Gregos e Cartagineses. Neste canto da Península, antes dos Romanos (fins do séc. III a. C.), viveram diversos povos com as designações (algumas redundantes) de Cónios, Cinetes, Turdetanos, Tartessos e outros, alguns dos quais presumivelmente estiveram de alguma forma ligados a esta escrita. Uma das mais celebradas cidades desta região no período pré-romano era Conistorgis, que terá chegado à época romana, havendo referência de autores romanos, e cuja localização exata também ainda hoje permanece obscura. E, no entanto, é longe da costa, na serra, que se encontraram quase todas as estelas.

A escrita do Sudoeste está considerada como a mais antiga da Península Ibérica e a terceira mais antiga da Europa, depois do grego arcaico (Linear A e B da Civilização Cretense), e da escrita fenícia. Conhecem-se os sons que cada símbolo reproduz (portanto consegue ler-se), mas ainda hoje permanece indecifrável o seu significado, a exemplo, aliás do citado grego arcaico, apesar de ter havido muitas sugestões e tentativas de leitura. Faltará encontrar-se por aqui o equivalente à pedra de Roseta e ao sr. J-F. Champollion para os hieróglifos egípcios…

É uma escrita sinistrorsa (escreve-se da direita para a esquerda, modelo que é usado em outras escritas do Próximo Oriente, como o árabe e o hebraico). As estelas estavam colocadas na vertical sobre a terra, com cerca de 1/3 da sua altura enterrada, e a escrita está naturalmente na sua parte descoberta, desenvolvendo-se em arco, começando em baixo, seguindo o contorno exterior da estela, no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio.


Alguns arqueólogos amadores fizeram pesquisas e colecionaram peças que foram levadas para os Museus de Arqueologia em Lisboa e Faro, como José Rosa Madeira e Manuel Gomez Sosa, ambos ligados à freguesia do Ameixial, o primeiro por nascimento e o segundo por lá ter residido.

Grandes nomes da arqueologia nacional como os Drs. Estácio da Veiga, Leite de Vasconcelos e Caetano Beirão, e a louletana Drª Isilda Martins pesquisaram e deixaram obra escrita sobre este assunto.

Nos últimos anos, desde 2008, tem sido desenvolvido um amplo trabalho de pesquisa e divulgação no âmbito do chamado Projeto Estela, onde se têm destacado os arqueólogos Pedro Barros e Samuel Melro e que tem posto este tema na atualidade cultural da região.

                              

Fig. 2 – Estela dos Vermelhos – Ameixial – Loulé

            

Almodôvar tem o principal museu desta escrita, mas Loulé, no seu Museu Municipal (castelo) também mostra algumas estelas deste período.

A Escrita do Sudoeste é assim uma das jóias da coroa do nosso património histórico-cultural que até há poucos anos não tem tinha a devida atenção e divulgação. Não há muitas áreas da cultura (ou outras) que tenham a importância e a projeção deste tema para as freguesias e concelhos envolvidos, o que deveria ser motivador da autoestima das suas populações, pelo que tudo o que for feito para dar a conhecer este tema será positivo.

Fig. 3 – Estela da Corte Pinheiro – Santa Cruz – Almodôvar


                                                                                                                                       

        

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