29 – Outras curiosidades da mesma zona do Baixo Alentejo

Há poucos anos estive na aldeia e sede de freguesia de Santa Cruz, no concelho de Almodôvar. Uma pequena povoação, com um casario bem cuidado e maioritariamente pintado de branco, numa orografia que ainda a liga à serra do Caldeirão.

Num breve roteiro que fiz na zona, o que mais me despertou a atenção foi a localização do espaço sagrado local. O cemitério da freguesia fica situado a mais de 400 metros da zona habitacional. E a histórica igreja matriz (manuelina – séc. XVI) ainda mais longe, mais outros 400 metros (pelo caminho melhor, porque parece haver outro antigo, de pé-posto, um pouco mais curto).

Este distanciamento de igrejas e cemitérios em relação à povoação é uma situação recorrente pelo menos nos concelhos de Almodôvar, Castro Verde e Mértola, como se pode também confirmar em Corte Figueira Mendonça, Santa Bárbara de Padrões, S. Pedro de Sólis, S. Miguel do Pinheiro, S. João dos Caldeireiros, S. Sebastião dos Carros, etc. Parece ser uma situação excecional, num processo assumido, este afastamento do espaço sagrado, quando todos sabemos que historicamente a tradição cristã nacional (e europeia) punha a igreja e o cemitério no centro da povoação, em volta dos quais se desenvolvia a área residencial. Só no séc. XIX, com o governo dos Cabrais (o que até foi causa da revolta da Maria da Fonte, no Minho) é que se iniciou o afastamento dos cemitérios do centro das povoações, por razões de saúde pública. Mas as igrejas paroquiais sempre permaneceram no centro.

Depois, uma pequena visita à igreja matriz local, anunciada em tabuletas como monumento a visitar, continua a surpreender-nos. É um templo de razoável dimensão, de três naves, com o reportório habitual e assinalável da arquitetura manuelina, e outros elementos posteriores, nomeadamente da época barroca. O facto de estar quase permanentemente fechado, não sendo local habitual de culto, origina a rápida degradação do edifício a que as reparações levadas a efeito não têm conseguido por termo.

Mas ainda há mais aspetos invulgares: no espaço envolvente desta igreja, numa zona isolada, escondida e de relevo acidentado, encontramos ainda as ruínas de duas outras capelas (ou deveríamos dizer ermidas) de uma só nave, em estado de completa ruína, de que só restam as paredes exteriores de relativa dimensão, a indicar-nos que aquele espaço era efetivamente o espaço sagrado da freguesia, mas que os fregueses quiseram separado, para todos os efeitos, do espaço profano das suas vidas. E ainda que, enquanto estas capelas em ruínas ocupam a parte superior de uma colina, a igreja matriz fica situada num plano mais baixo da encosta, num patamar pouco acima do vale que se estende ao lado. Portanto, mais uma originalidade, a igreja principal da freguesia situar-se num plano mais baixo e mais escondida do que outros templos de menor dimensão e importância, no mesmo exclusivo enquadramento.

Tenho algumas hipóteses de explicação para estas particularidades de antropologia cultural que tentarei aferir, mas se alguém, dos que conseguiram ler este texto até ao fim, quiser apresentar desde já alguma tese explicativa, muito agradeço.

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