2 — Quem formava o Gabinete
No capítulo anterior já ficou dito que a sociedade era formada pelas pessoas mais ilustradas de Loulé e zonas vizinhas, com uma posição social que lhes dava as condições necessárias para acompanhar o “processus” político e cultural do País.
Sabe-se que tinha uma composição, logo no seu início, de dezasseis sócios, os quais aumentaram para vinte e seis, até ao fim do ano de 1836, tendo, entretanto, e fora destes números, desistido um.
0 seu primeiro presidente foi o citado Pe. José Rafael Pinto, que exerceu a sua profissão em Loulé entre 1834 e 1864, homem muito conhecido localmente, e cuja atividade ímpar bastante prestigiou a vila, através da sua dinâmica de pessoa ligada a diversas atividades culturais, entre as quais as letras e a música(em que parece ter tido papel de relevo ao fundar uma filarmónica, assunto que trataremos na 2ª parte deste trabalho).
Além de José Rafael Pinto, alguns outros membros da sua família vieram a pertencer à sociedade, ou exerceram cargos bastante importantes posteriormente, como Cláudio José Pinto, primeiro Diretor da Sociedade; José Cláudio Rafael Pinto, sobrinho do primeiro e também clérigo; e ainda Aurélio Cláudio Rafael Pinto, Juiz de Paz em Loulé em 1867.
Outros elementos de renome em Loulé vieram também a fazer parte da sociedade. Assim temos os drs. Manuel António Vieira e Francisco de Freitas Oliveira; o tabelião em 1867 (data que existe pela primeira vez na Conservatória do Registo Predial local) José Francisco de Freitas; José Caetano Benevides, homem bastante rico da vila.
Além de todos estes devem destacar-se seguidamente os nomes dos bastantes clérigos que enfileiram entre os sócios da coletividade. Depois dos dois familiares já referidos, dela fizeram parte Diogo de Oliveira e Horta, Domingos de Sousa Viegas, José Agostinho Teixeira, pároco de Salir, José Inácio Palma, Joaquim António Oliveira e Francisco de Paula Ataíde, pároco de Porches-Lagoa.
Conviria, em face desta situação, responder à questão “por que se interessam desta maneira os eclesiásticos pela sociedade?”. Com certeza o Clero formava conjuntamente com alguns Burgueses o grosso das camadas mais cultas da sociedade rural. Por este aspeto parece lógico que uma sociedade de caráter cultural tivesse em suas fileiras bastantes padres. Mas, e o aspeto ideológico? Sabendo, como se sabe, que dos dignatários da Igreja partiram as principais forças contrárias à revolução de 20 (caso do Patriarca de Lisboa e do bispo de Beja, entre outros), como explicar o facto, partindo ainda dos dados iniciais de que estas sociedades eram liberais? Sabe-se também que o prior Pinto, por vários documentos e tradição, era um grande liberal. Aliás o facto de clérigos serem de ideologia liberal não era inédito, como acontecera nas Cortes Constituintes de 1821-22 em que José de Arriaga enaltece a ação conduzida por alguns.
Talvez a resposta se encontre por outro meio. É que a Sociedade do Gabinete de Leitura de Loulé era, pelos motivos já expostos, um pouco menos ativa politicamente do que as suas congéneres mais famosas, a de Lisboa e do Porto. Mas não exageremos este pormenor, porque em várias ocasiões, que teremos oportunidade de mostrar, a sociedade sempre se mostrou do lado dos ideais vintistas e a favor da Constituição de 1822. Concluiremos assim que os referidos padres estavam mesmo empenhados nos ideais liberais.
Quanto a todos os outros sócios, deveriam ser, portanto pessoas da classe média, digamos média e pequena burguesia rural ou comercial, algo instruída e de ideologia predominantemente liberal, em que alguns são apresentados como de “negócios”. Efetivamente ainda hoje o comércio é o principal sustentáculo económico da vila.
Um outro aspeto que nos Ieva a concluir que a posição da maioria (senão da totalidade) era da pequena e média burguesia, ou por essa volta, é o de que, sempre que havia festas e bailes de qualquer natureza, organizados pela sociedade, se convidavam sempre as “pessoas decentes da vila“. Que significa, portanto, esta expressão? Não será sinónimo de pessoas de bem (bens), medianamente estabelecidas, de forma a dar mais prestígio à sociedade? Aliás isto vem dentro do contexto da ideologia liberal, com as célebres divisões entre pessoas ativas e passivas, em quo nem todos têm o direito ao voto porque não estão devidamente capacitadas para tal.
Parte do momento em que o chamado “Terceiro estado” se desmembrou para dar lugar de primazia à Burguesia, que deste modo se apodera sozinha do aparelho de Estado. Tal é o modelo prático do Liberalismo, e tal deveria ser a atitude dos liberais das zonas rurais, que deveriam manter para com as forças conservadoras uma posição de pessoas de bem que, no entanto, estariam interessadas em implantar um regime que, não obstante, e pela sua abertura, era bastante diferente do Absolutismo do Antigo Regime.
A sociedade tinha ainda, além dos já referidos, e que se caracterizavam por sócios ativos, alguns outros bastante reputados, como era o caso do Dr. João Viana Resende, médico em Lisboa e do Dr. José Maria Guides, cirurgião-mor da província de Mato Grosso – Brasil, e ainda do “insigne poeta” Francisco António Martins Basto, bem como do bacharel em Leis (em 1853 juiz de Direito em Loulé João Ferreira Pinto, os quais eram sócios correspondentes.
Em lugar de destaque, e por último, contam-se entre os sócios desta coletividade, a partir de 4 de fevereiro do 1838, o General Fontoura, “suprema autoridade civil e militar nos três distritos de Faro, Beja e Évora” (e que viria a participar na captura do famoso guerrilheiro miguelista- legitimista Remexido, como adiante veremos), e ainda o capitão de Caçadores 4 (com um destacamento aquartelado na dita vila) António Joaquim Pimentel Jorge.
Recebeu ainda o Gabinete visitas frequentes de importantes personalidades em serviço no Algarve, como: Joaquim Pedro Judeci Samora – “deputado ao Soberano Congresso Nacional”, em 15.fev.38 e ainda Gonçalo Magalhães Colaço, juiz de direito em Tavira, em 3.Jul.36; as autoridades militares: José Pedro Celestino Soares – coronel comandante da 8ª Divisão e encarregado do governo militar do Algarve, acompanhado de um tenente-coronel comandante de caçadores 15 e dum capitão do mesmo corpo, respetivamente Filipe Correia de Mesquita e António Luís Meireles, em 18.Jul.37.
Em 30 de setembro de 1836 fazem-se agradecimentos ao provedor interino do concelho “que fez bastantes benefícios à sociedade”.
Enfim, da boa composição social e prestígio da coletividade, parecem não restar dúvidas. Deveriam ser mesmo as pessoas mais capazes que então em Loulé havia.
Da importância e peso político do Gabinete dava-se frequentemente conta a Câmara Municipal, que com ele mantinha boas relações e em conjunto organizavam festividades para as datas históricas que sempre se iam comemorando.
A reputação que alguns dos seus sócios correspondentes (e não só) tinham, dava-lhe ainda um caráter mais elevado, na medida em que ilustres personalidades se dignavam fazer parte dele ou manter correspondência assídua.
Muitas instituições públicas também mantinham contactos com o gabinete. É o caso, por exemplo, da Sociedade Promotora da Indústria Nacional.
Sobre os restantes componentes da Sociedade, veja-se o APÊNDICE final com a lista dos que fizeram parte dela, ao longo dos anos em que esteve em atividade.