24. Breve história de Tavira (até ao séc. XVI)

A época da fundação de Tavira é praticamente impossível de se determinar, como acontece com grande parta das antigas povoações.

Segundo algumas crónicas antigas, teria sido o rei Briga que a teria fundado, bem como a outras terras algarvias, como Lagos. Assim Tavira teria tido como primeira designação Talabriga, aparecendo mais tarde no Elucidário de Brunswick o termo “Talabricense” como designando o natural de Tavira.

Outros estudiosos, mais apropriadamente, remontam a época da fundação da localidade ao período fenício ou cartaginês, tendo-se desenvolvido mais tarde na época da dominação romana. Aliás, relacionada com esta civilização está a povoação de Balsa, na zona da atual Luz de Tavira, que alguns autores confundiram com a povoação original de Tavira.

Completamente provado é que no período árabe peninsular, Tavira era uma próspera localidade entre as mais destacadas do Algarve e uma notável praça forte a que os árabes chamariam Tabira, corruptela (nalgumas interpretações) do termo Talabriga anterior.

Neste período Tavira estava inserida no Al-Garb, dependia do senhor de Silves, sede da posição árabe mais importante na parte mais meridional do atual Portugal.

Para as forças cristãs, Tavira passa-se no reinado de D. Sancho II, no conjunto de conquistas que a Ordem de Santiago, chefiada por D. Paio Peres Correia, e outras, levaram a efeito em ambas a margens do Rio Guadiana, até à sua foz. É historicamente apontada a data de 1239, apresentando Damião de Vasconcelos (obra citada, inspirado na “Crónica da Conquista do Algarve”, também citada) a data de 1242 para a entrada dos cavaleiros de Santiago na praça. O dia comemorado é o de 11 de junho, dia que foi feriado municipal durante muito tempo.

Na época da sua tomada pelos Cristãos, Tavira era governada por Aben-Fabilla (nome que vem referido no próprio foral), sendo ao que parece, Aben-Afan (ou Ibne Mahfut, ou Mafon) rei de Silves e de todo o Algarve.

Deveria ser Tavira uma importante e próspera vila, inserida num conjunto natural propício ao desenvolvimento simultâneo de várias atividades económicas, tais como o comércio, a pesca, a agricultura e a extração de sal. Reconhecido o carácter comercial das populações árabes que habitavam o Sul do território peninsular, observando os dotes naturais da povoação, não nos é difícil imaginar a sua prosperidade e importância demográfica. Situada nas margens de um rio, próxima da sua foz e do mar, rodeada por extensas terras de cultivo, local de passagem obrigatório para quem se deslocasse entre o ocidente do Algarve (duas vezes ocidente!) e as ricas planícies da Andaluzia, Tavira era povoação rica e afamada entre as melhores.

A conquista aos Mouros, e segundo a crónica citada, foi realizada na sequência da morte de seis cavaleiros da Ordem de Santiago que, estacionados na zona de Cacela, tiveram a infeliz ideia de vir caçar para as proximidades de Tavira, onde foram atacados e mortos por imensos Mouros desta localidade. Com os seis cavaleiros (D. Pedro Pais, Mem do Valle, Damião Vaz, Álvaro Garcia, Estêvão Vasques e Valério de Ossa, ou da Hora – há variantes dos nomes consoante os autores) morreu também um mercador (Garcia Rodrigues) que se quisera juntar a eles no mais aceso da refrega.

D. Paio Peres Correia entrou na vila atrás dos Mouros, como retaliação pelo facto, fazendo um horrível destroço entre a população e tomou-a para os Cristãos e para o Rei de Portugal.

O rei doou a localidade àquela Ordem Militar no ano de 1244, num documento em Latim do qual traduzo “de minha espontânea vontade e de consenso com os meus ricos-homens. Por amor a D. Paio Peres Correia, Mestre da Ordem Militar de Santiago e por muitos bons serviços que aquele Mestre e os mais ilustres da Ordem me fizeram e fazem, dou e concedo (…) para que me honrem e cumpram como ao senhor natural; aquela vila do Algarve, que chamam Tavira”. Esta doação total que chegou a ser confirmada pelo Papa Inocêncio IV em 1245, seria depois contestada, no contexto da querela entre os reis de Portugal e Castela, que só terminou em 1267, com o Tratado de Badajoz. O rei D. Afonso III não a veio a confirmar, e em disputa legal entre a Coroa e a Ordem, veio a ser decidido arbitralmente em 1272 que pertenciam ao Rei as povoações e à Ordem o padroado das igrejas.

Em 1266, D. Afonso III, veio a outorgar à vila a sua Carta de Foral, na mesmo oportunidade de Silves, Faro e Loulé, “com foros, usos e costumes como o da cidade de Lisboa” e no restante do mesmo modo como está expresso (…) na carta de foral de Silves.”

Segundo Damião de Vasconcelos (obra citada, pág. 21), o rei D. Afonso III, para além da concessão do foral, deu também privilégios de couto aos malfeitores que fossem assentar morada nela, com vários privilégios e isenções – aquilo que se designava um couto de homiziados, instituto muito utilizado pelos séculos fora para povoar as zonas mais inóspitas ou mais próximas da fronteira. Desde que não fossem sentenciados por crimes de sangue, era preferível viver livres nestas zonas do que estarem presos nas vilas mais povoadas e prósperas.

Também do mesmo rei recebeu, em 1269, tal como aquelas outras povoações algarvias, a Carta de Foral dos Mouros Forros do Algarve. Contra a garantias de autonomia de justiça e segurança, deviam estes pagar por ano alguns morabitinos e trabalhar nas vinhas e lagares reais.

Estes primeiros tempos da Tavira cristã, como heroicos que são, foram ao longo dos tempos glosados por diversas figuras gradas da nossa literatura. Além de algumas crónicas menores, de autores menos sonantes, aparecem citados nos Lusíadas – Canto VIII, estância XXV – de Luís de Camões, e no poema de Almeida Garrett, D. Branca – Canto VI.

Pelos tempos fora, da época medieval, foi Tavira regularmente agraciada com várias mercês e privilégios que atestam a sua importância.

Muitas famílias nobres nela foram criadas ou nela se fixaram, dando corpo a um conjunto aristocrático dos mais relevantes do País, sendo inúmeros os serviços de elevada índole prestados à coroa e ao Reino por Tavirenses, publicamente reconhecidos pelas autoridades.

Era ainda Tavira um importante centro de Milícias, e formava um forte baluarte de defesa do Sul.

No que respeita à economia da região de Tavira na Idade Média cristã diremos que a sua excelente situação geográfica continuava a fazer da Tavira cristã uma importante rica localidade. O seu porto era local frequentemente utilizado por navios bretões, alemães, biscainhos, ingleses, galegos e de outras procedências, para carregar sal, peixe seco, vinho, frutas secas (figos e passas de uva), azeite, alfarroba, amêndoa, resinas, aguardentes, cera, mel, obras de palma e peixe. Para facilitar, tinha boa disponibilidade de água doce para as embarcações fazerem o necessário aprovisionamento. O rei D. João I facilitou o tráfego de navio estrangeiros em Tavira e garantiu-lhes segurança.

Em 1445 dá-se conta em Lisboa dos problemas que ocasionava a grande aglomeração de navios a carregar sal, dificultando a saída da fruta.

Outros reis vão regularmente concedendo regalias de carácter económico à povoação, que revelam a sua importância e a prosperidade económica.

Conjuntamente são criadas as suas feiras, como a que D. João II concedeu em 1491, com a duração de 49 dias, entre 1 de setembro e 19 de outubro, em honra da Virgem Senhora. Mais tarde, teve esta feira a duração e 3 meses – setembro, outubro e novembro para, com o passar dos tempos vir a reduzir-se e separar em duas a de agosto (Nª Senhora da Boa Morte) e a de outubro (S. Francisco).

São de citar ainda aqui as organizações associativas e seguradoras das atividades marítimas, estabelecidas a partir de D. Dinis, e às quais pertenceram alguns armadores tavirenses. A mais importante de Tavira foi o seu Compromisso Marítimo, que englobava até os mareantes das Fuseta.

Dada a importância do setor artesanal, quer na Idade Média, quer posteriormente, salienta-se a concessão do regimento dos Mesteres de Tavira, dado por D. João III em 1539, importante peça legal para compreender a sua importância.

Finalmente registo o segundo foral (ou foral novo) dado a Tavira pelo rei D. Manuel I, em 20 de agosto de 1504, no mesmo ano em que reformou os restantes do Algarve, exceto Cacela e Porches. O mesmo rei também assinou a carta de elevação de Tavira a cidade, em 16 de março de 1520, confirmada por D. João III em 1525. Passava a ser a segunda cidade existente no Algarve, depois da antiga Silves, e antes de Faro (1540).

Aliás, quer D. Manuel, quer o seu filho D. João III concederam diversos privilégios, regalias e isenções a Tavira na primeira metade do século XVI, em reconhecimento dos serviços prestados à coroa pelos naturais da cidade em viagens, conquista e defesa de praças mouras em Marrocos.

Nessa altura Tavira era a “principal do Reino do Algarve” (citado naquele regimento) e a sexta cidade mais populosa do reino, segundo o Censo de 1527.

Bibliografia

– DESCONHECIDO – “Crónica da Conquista do Algarve”publicada em 1792, e republicada, com comentários e notas, por José Pedro Machado – in Separata dos Anais do Município – VIII – Faro 1979.

– VASCONCELOS, Damião de – “Notícias Históricas der Tavira” – Livraria Lusitana – Lisboa – 1937. Reeditada pela Câmara Municipal de Tavira – 1989

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