23.Breve história de Silves

Conhecem-se vestígios materiais da presença humana na zona de Silves desde tempos remotos da História da humanidade. A sua localização geográfica, à beira de um rio navegável até há pouco tempo, a sua relativa proximidade do mar e das rotas marítimas de entrada e saída do Mediterrâneo, a imensa zona interior circundante, fizeram deste povoado um centro de interesse para muitos homens e diversas civilizações.

Estão conhecidas e identificadas, e algumas pedagogicamente guardadas no seu Museu Arqueológico, peças arqueológicas de diversas civilizações desde a Pré- História até à atualidade, passando pelo Neolítico, Idade dos Metais, presença s de Fenícios, Gregos e cartagineses, ocupação romana, pela efémera presença visigótica, pela mais vincada ocupação muçulmana e, por último, pelo domínio e integração no território e na História de Portugal.

Pelo rio Arade subiam desde a sua foz (na atual Portimão), embarcações de todos os povos mediterrânicos que, especialmente pelo comércio, aportavam em todas as costas conhecidas, e em que a Península Ibérica desempenhava um papel importantíssimo devido ao valor dos seus variados produtos minerais. Tal como pelos outros rios da região – Tejo, Sado, Guadiana, Guadalquivir – os barcos aventuravam-se pelo interior até onde era possível, e aí estabeleciam feitorias para a troca dos produtos regionais pelos exóticos. Assim o fizeram em meados do século I a. C. os Fenícios, Gregos e Cartagineses que, não tendo uma presença de ocupação, aqui deixaram vestígios especialmente de atividades comerciais como moedas, vasilhame cerâmico ou de vidro, restos de embarcações, adornos, armas e utensílios de uso quotidiano.

Com aqueles conviveram povos aqui há mais tempo radicados, eventualmente autóctones – os Cónios ou Tartéssicos – que constituíam a civilização ibérica do sudoeste da península, de cujo esplendor nos deixaram relatos escritos alguns viajantes mediterrânicos como Plínio e Estrabão.

Mais duradoura foi a presença e ocupação romanas, entre fins do séc. III a. C e os finais do séc. V d. C. Controlando quase toda a península, foi especialmente o Sul a zona que foi mais romanizada, a todos os níveis: económico, politico-administrativo, social e cultural, como também ainda hoje se pode ver nos vestígios da época. Parece ter sido pacífica a adaptação ao regime romano na região sudoeste peninsular e nomeadamente no atual Algarve português, onde as formas de vida e economia seriam semelhantes.

Dos conturbados e relativamente curtos tempos da presença dos Visigodos e/ou Suevos e Vândalos, restou muito menos para mostrar às gerações atuais.

Mas, sem sombra de dúvida, o passado mais brilhante de Silves foi no período muçulmano, entre os séculos VIII e XIII. Inicialmente dependente, como toda a península, do Califado de Bagdad, passou a depender politicamente de Córdova quando ali se instalou um novo califado em 755, entre os séc. VIII, IX e X. Durante os séculos XI e XII, as diversas cidades da época e da região, como Sevilha, Niebla, Silves, Mértola e Badajoz, alternando com longos períodos de unificação – Almorávidas e Almóadas – aventuraram-se em governos autónomos e muitas vezes rivais entre si, que retiraram força política e militar ao Al-Andaluz e assim proporcionara, o avanço decisivo das tropas e do domínio cristão no sul da península através da chamada Reconquista Cristã. Não tendo a grandeza e o esplendor das grandes cidades árabes da península, como Córdova, Sevilha e Granada, no entanto, Silves (então designada Chelb) era uma notável povoação, sob todos os pontos de vista, sem dúvida a mais importante da sua região. Nela se desenvolveram indústrias, a agricultura de regadio, a pesca, a exploração mineira no interior, e também as artes e a ciência. Comparativamente com a zona cristianizada da época, o Sul islâmico, nomeadamente desde o seu glorioso séc. X era bastante mais desenvolvido e culturalmente mais aberto.

Como vimos atrás, foi o processo de Reconquista que trouxe Silves para o território cristão e português. Não foi de forma rápida nem pacífica. Conquistada uma primeira vez por D. Sancho I em 1189, no mesmo ano de Alvor, com a participação direta de Cruzados da 3ª Cruzada que estavam em trânsito para a Palestina, e que foram aliciados pelo rei de Portugal, viria a cair na posse dos Árabes logo em 1191. A partir desta última data estava o Al-Andaluz unificado sob forte poder Almóada que viria a dominar até 1212 na península. Um dos cruzados participantes na conquista de 1189 relatou-nos as estratégias utilizadas durante o cerco de várias semanas, durante o verão, a violência de que se revestiu o ataque intramuros, e o desgosto em relação à forma como os portugueses dividiram o saque com os mesmos cruzados.

Mas a tendência para empurrar para sul a presença muçulmana era inapelável e, em meados do século XIII, em 1249, Silves passava definitivamente a fazer parte de Portugal, sob as forças combinadas do rei D. Afonso III e do mestre de Santiago, D. Paio Peres Correia que, por aqueles anos, conquistaram com ou sem violência, todos os castelos e povoações do barlavento algarvio e que assim se juntaram ao extremo sotaventino já conquistado no tempo de D. Sancho II pela ação direta daquele mestre e dois seus monges –soldados.

O processo de integração oficial e jurídica no território português não foi fácil, porque ocorreu uma demorada querela entre os Reinos de Castela e Leão e Portugal pela sua soberania, que só veio a ser definitivamente resolvido em 1267, pelo Tratado de Badajoz. Isso explica a demora entre a conquista e a outorga do foral

Recebeu carta de foral em agosto de 1266, como povoação principal do Algarve, num documento baseado no foral de Lisboa de 1179 e que seria ainda o modelo dos forais de Faro, Loulé e Tavira, também emitidos na mesma data. Aplicava as mesmas taxas e coimas pelos crimes cometidos, mas apresenta diversas alterações específicas, nomeadamente identificando os bens que o rei reservava para o seu poder, tais como fornos de pão, salinas, o sal, as taxas sobre o vinho vendido, os moinhos do rio Arade, todos os reguengos de Lagoa e Arrochela, figueirais dos antigos reis mouros, açougues, banhos e fangas, a pesca da baleia e o padroado das igrejas.

Também em 1269 recebeu, tal como aquelas outras povoações algarvias citadas, o chamado foral dos Mouros Forros, que garantia a segurança dos mouros que por cá ficaram depois da reconquista.

Outro problema derivado desta quezília foi a nomeação do bispo de Silves, porque, entretanto, justificava-se a recriação desse bispado (onde antigamente houvera o bispado de Ossónoba – Faro), e era preciso definir em que província metropolitana o bispado devia ser integrado (Braga, por Portugal ou Sevilha por Castela). Ainda ficou sufragânea da arquidiocese de Sevilha até 1394, data em que passou a depender da recém-criada arquidiocese de Lisboa.

Pela mesma altura começavam-se a reconstruir as igrejas das principais povoações algarvias, recuperando as instalações das antigas mesquitas maiores muçulmanas, e das quais a de Silves deveria ser mais majestosa, por se tratar da catedral (igreja onde está a cadeira do bispo).

O fim do domínio muçulmano na região marcou o términus de um longo período de desenvolvimento económico e cultural, ainda que de alguma anarquia política, que ligava ambos os lados do estreito de Gibraltar num amplo contexto cultural e civilizacional.

Silves, no entanto, sob o domínio cristão, continuaria a ser a mais importante povoação do Algarve, mantendo a categoria de cidade e sede de bispado até 1577. A sua Sé Catedral era digna da sua importância e da cidade. Notável e vasto templo de estrutura gótica em grés regional, com grandes colunas e pórtico ogival, com o exterior hoje já marcado pelas intervenções posteriores, nomeadamente após o terramoto de 1755. Forma com o castelo, construído na mesma pedra, o mais imponente núcleo de património histórico-arquitetónico do Algarve. A estes se acrescenta, no séc. XVI, a janela manuelina da Misericórdia e o cruzeiro tardo-gótico-manuelino conhecido por Cruz de Portugal.

O século XVI, porém, mudaria o curso da história de Silves. Em 1577 o bispo de Silves, D. Jerónimo Osório, um grande vulto do humanismo português, mudou a sede da diocese de Silves para Faro, alegadamente por causa dos ares insalubres da cidade, representando esse gesto já um símbolo da perda de importância e influência relativa que Silves estava a sofrer ao longo do tempo. Devido ao assoreamento do rio Arade, e da diminuição da sua navegabilidade, chave da sua dinâmica económica, Silves foi-se tornando uma povoação de interior, cedendo lugar e importância a Portimão e entrando numa prolongada letargia. Depois de uma pouco conseguida experiência industrial na área corticeira, pode-se dizer que são já das últimas décadas um notório rejuvenescimento e uma acentuada dinâmica de desenvolvimento local, que se baseiam no aproveitamento turístico e nas insuperáveis condições para o cultivo dos citrinos, factos que são visíveis por quem hoje a visita.

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