Pensamos que o castelo e muralhas de Loulé terão sido construídos no período muçulmano, formando um perímetro de torres e muros que defendiam o burgo das ameaças externas, nomeadamente a partir do final do século XII, quando se começaram a concretizar as ameaças das forças cristãs portuguesas e castelhanas contra a região sul e sudoeste da península, e que viria a perpetuar o nome de Al Garb (que em árabe significa o ocidente). Aliás, em relação à palavra castelo, tradicionalmente a população de Loulé chama de “castelo” ao conjunto principal de torres e muralhas que se situam a NW do centro histórico, embora isso também não seja consensual.
Nesse espaço, intramuros, se situava também a alcaidaria da vila, zona habitacional e militar, onde residia o alcaide, e que foi ao longo dos séculos visitada por alguns reis. Loulé tinha uma cintura de muralhas defensivas que, em alguns pontos mais vulneráveis, e junto às suas portas, eram reforçadas por torres e torreões de diversos tipos, como se pode confirmar nas ainda existentes ou nalguns alicerces visíveis (ex. na Capela de Nª Senhora da Conceição e entrada para o pátio da alcaidaria).
Conhecemos hoje quase perfeitamente o perímetro das muralhas que delimitavam a primitiva povoação, o seu atual centro histórico, formando um polígono irregular de quatro lados, entre a Praça da República, a Av. Marçal Pacheco, a Rua Engº Duarte Pacheco (antiga Rua da Corredoura) e a antiga Horta d’El-Rei. Este perímetro tem uma dimensão significativa para a época, de cerca 940 m, circundando uma área de cerca de 5 ha, que formavam o núcleo central da vila, ao qual se foram acrescentando, ao longo do tempo outros bairros exteriores – mouraria, judiaria, arrabalde.
O centro religioso da povoação era a igreja matriz, dedicada depois da reconquista (1249) a S. Clemente1, e o seu espaço envolvente, onde no seu adro se situava o primitivo cemitério de Loulé, e onde hoje se situa o jardim dos Amuados. O templo teria sido uma mesquita muçulmana, no espaço da qual se reconstruiu a igreja, e do qual restará ainda a torre sineira, antiga almádena ou minarete, onde o almuadem chamava os crentes às orações diárias. A igreja foi uma das primeiras a ser construídas na região depois da reconquista cristã, da época da sé de Silves (primeira catedral do Algarve) e das de Santa Maria de Faro (depois Sé de Faro) e de Santa Maria do castelo em Tavira. A importância desta igreja no período medieval fica demonstrada por integrar a vintena de instituições eclesiásticas que participaram na petição ao Papa Nicolau IV, em 1288, para a criação de um Estudo Geral, a expensas dessas igrejas, que serviu de base à criação, por D. Dinis, da atual Universidade de Coimbra.
Na mesma época, e extramuros, foi construído o Convento da Graça, inicialmente como casa da Ordem dos Frades Menores (Franciscanos observantes), cujas ruínas da sua igreja foram recentemente requalificadas e que são também dignas de uma visita. Ao longo dos séculos foram sendo construídos outros conventos na vila, masculinos e femininos, que funcionaram até 1834, data da sua extinção pelo Liberalismo – Convento dos Grilos (Hospital /Misericórdia), Convento do Espírito Santo (feminino), e de Santo António dos Olivais (Capuchos).
As muralhas da cidade foram, segundo o modelo árabe e medieval, construídas em pedra ou em taipa, maioritariamente nesta última, consoante as localizações e a altura necessária. Ou até nos dois materiais em simultâneo, com a base em pedra e a parte cimeira em taipa. É isso que ainda hoje se vê ao longo do perímetro detetável de pano de muralha ou das torres. Podemos confirmar os dois tipos ainda de pé.
Ao longo da muralha abriam-se diversas portas para o exterior, que tomaram o nome dos bairros ou estradas para onde apontavam – de Faro, da Vila, do Concelho, de Portugal, de Silves, Nova. A sua localização exata não está hoje assinalada na maior parte delas, e a sua própria designação também não é consensual2.
Em 1422, D. Pedro de Meneses, mandou recuperar a muralha da vila, que lhe daria a imponência de todo o seu perímetro.
Depois, ao longo dos séculos, as muralhas de Loulé foram sendo vítimas das intempéries e tremores de terra, destruídas ou alteradas e, em face da decrescente necessidade da sua existência, não só pela maior paz interna e externa, mas também pela introdução da artilharia, que as tornava obsoletas, foram perdendo a sua importância, e deixadas ao abandono. Já em 1617-18 a visita inspetiva de Alexandre Massaii dava conta de que a maior parte dos muros de taipa da muralha se encontravam danificados e/ou caídos3.
Grandes extensões de muralha passaram a ser incorporadas nas construções que se foram anexando, ou pior, foram destruídas, para dar lugar a novos arruamentos ou construções, como é o caso mais notório do Mercado Municipal, joia neoárabe do início do séc. XX, mas para cuja construção foi derrubado um significativo troço da cerca medieval. Capelas, solares e casas particulares foram ganhando prioridade em relação à cerca.
Aquilo que resta da estrutura defensiva de Loulé está garantida como Monumento Nacional desde 28 de junho de 1924.
Passamos então a uma descrição/passeio virtual das muralhas de Loulé, começando na zona que como vimos é conhecida por castelo, no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio, antes de fazermos o percurso pedestre:
Começamos na rua da Barbacã, (nome que designa a cerca exterior à muralha, que depois desapareceu), onde vemos uma torre albarrã (separada da muralha), em alvenaria, depois outra torre adossada ao exterior da muralha, e uma terceira, de grandes dimensões, sobre a muralha. Estas três torres situam-se junto da alcaidaria e ligam-se entre si por um caminho de ronda e escadas para cada uma delas. Foram reparadas nos anos 1940, pelos Monumentos Nacionais, segundo um plano do Ministério do Engº Duarte Pacheco. As ameias superiores não existiam antes disso, como ainda é possível confirmar em fotos antigas.
Seguindo em sentido contrário aos ponteiros do relógio, na zona da antiga Horta d’El-Rei, que ficou mencionada no foral de 1266, destacamos a mais recente fonte das Bicas Velhas, o edifício recentemente estudado e em recuperação, que seria um banho público muçulmano (hamman), e alguns vestígios da muralha nas traseiras de muitas habitações que se foram adossando aos muros ao longo dos séculos, num bairro que inicialmente seria a judiaria da vila. O final deste lado, sob o Jardim dos Amuados, está mais conservado e visível, até à aresta do polígono. Aqui se situavam as portas de Silves e a Nova. (Conforme esteve assinalado num painel de azulejos do Restaurante “A Muralha”).
Já na Rua do Engº Duarte Pacheco destacamos um torreão em taipa, conhecido como Torre da Vela, que servia de atalaia permanente para os ataques mouros vindos da costa ou na costa, pois fazia contacto visual com outra torre em Quarteira que emitia sinais de fumo em caso de ameaça, quando “havia mouro na costa”. Pelo interior da muralha há ainda visitável, um caminho de ronda que ligava outras torres, a do meio, desaparecida e outra, antes da rua 1º de dezembro ainda visível. A meio abria-se a “porta de Faro”, que ligava à estrada para Faro, que foi mudada quando no séc. XVII se construiu a capela de Nª Srª do Pilar e o solar adjacente.
Após nova inversão de cerca de 90º, a linha de muralha passava entre a atual Av. Marçal Pacheco e a Rua 1º de Dezembro, indo para norte até ao antigo Largo do Carmo, onde existia outra porta importante, a “porta da vila (ou do sol)”, onde depois foi construída outra capela – Nossa Senhora do Carmo, que foi destruída em 1873, talvez para a abertura da Av. Marçal Pacheco. Teria também sido destruída parte da muralha, conhecendo-se hoje a viragem para oeste (nuns alicerces que estão no subsolo de uma antiga oficina de bicicletas e atual parafarmácia), a que se juntou depois também a destruição de outra parte por causa da construção do Mercado Municipal, em 1907-08.
A última face do polígono seguia na continuidade da atual Praça da República, na linha de fachada das casas alinhadas com a atual Câmara Municipal e onde se abria uma pequena porta (celebrada com o nome de Rua do Postigo – antigo nome da Rua 9 de Abril), e se alinhava um significativo pano de muralha com pelo menos dois torreões. O primeiro deles, talvez a base onde agora está o relógio, tinha junto a si outra porta principal, (a do “Concelho”). No final desta linha abria-se a “porta de Portugal (ou porta da Vila)” que, embora aberta num conjunto provavelmente em cotovelo, se situava em frente à atual Rua de Portugal (da antiga estrada para Portugal) e sobre a qual se erigiu também outra capela, dedicada a N. Srª da Conceição (como se pode ver no alicerce visível no solo desta capela). Aí junto havia também outra torre, provavelmente onde no início do séc. XX consta que ainda existia um moinho de vento sobre ela.
Notas:
- S. Clemente – terceiro papa de Roma, de finais do séc. I, desconhecendo-se a razão desta invocação, sendo pouco plausível que, como se pensou durante muito tempo, tenha sido porque no seu dia comemorativo se teria conquistado a praça militar – 23 de novembro.
- M. Fátima Botão e Isilda P. Martins – obras citadas.
- Alexandre Massaii – obra citada
Bibliografia básica:
– BOTÃO, Maria de Fátima – “A construção de uma identidade urbana no Algarve medieval – O caso de Loulé” – Ed. Caleidoscópio – 2009
– MARTINS, Isilda Pires – “O Castelo de Loulé” – Ed. CML – 1984
– MASSAI; Alexandre – “Descripção do Reino do Algarve …” – Alexandre Massai – 1617-18. Publicado em 1621. Em Lívio da Costa Guedes “Aspectos do Reino do Algarve nos séc. XVII e XVIII. A Descrição de Alexandre Massaii”. Arquivo Histórico Militar. Separata do Bol.do Arquivo Histórico Militar – 1986. Impresso em 1988.
– MARTINS, Isilda Pires e MATOS, José Luís de – “As Muralhas de Loulé – Ed. CML – 1990;
– OLIVEIRA, F. X. Ataíde – “Monografia do Concelho de Loulé” – Ed. Algarve em Foco – 1986
– SIMÕES, João Miguel – “História Económica, Social e Urbana de Loulé” – Caderno do Arquivo Municipal de Loulé – 2012