18. A narrativa da segunda conquista de Silves*

VII _ Como o Mestre se lançou sobre Silves enquanto o seu rei Ala Mafon estava fora, e como pelejou com ele e lhe tomou o lugar

Desta maneira que haveis ouvido, aprouve a Deus de dar a vila de Tavira em poder aos Cristãos, e depois que a deixou o Mestre, seguro de tudo o que lhe cumpria, foi a Salir e tomou-a por força, e então foi cercar Paderna, que é um castelo forte e muito bom, de grande comarca em redor, entre Albufeira e a serra, e estando sobre ele, mandou gente ao termo de Silves, que fossem tomar a torre de Estômbar, que dantes fora sua, e foram lá e houveram-na outra vez.

E quando Ala Mafon1, seu rei deles, que estava em Silves, soube como aquelas companhas ali eram, saiu a eles do lugar com a mais companhia que pode, porque lhe disseram que estava ali o Mestre com todo o seu poder; e o Mestre como soube que era fora, alçou-se logo de sobre Paderna e veio-se lançar sobre Silves. Ala Mafon, indo para a torre de Estômbar, achou notícias que não era ali o Mestre, e que não estava ali mais gente que aquela que tomara a torre e a defendia, porém quis lá chegar, e logo muito à pressa se tornou para a vila, e logo se temeu do que era, e o Mestre lançou-lhe uma cilada, que lhe tinha já tomado as portas e as gentes repartidas por elas; e el-rei Ala Mafon, quando isto viu, querendo entrar por força pela porta que chamam de Azóia, porque era lugar desembargado, encontrou-se ali com o Mestre que tinha a guarda dela. E el-rei mouro vinha com todos os seus juntos e ali se viu o Mestre com grande trabalho com eles, e foi a peleja [luta] com eles em um campo fora junto com a vila, onde agora está uma igreja que se chama Santa Maria dos Mártires e os mouros fizeram muito por retomar a porta, e se meteram sobre a torre da Azóia, porque é bem saída e tem marcos para fora, mas isto não lhes serviu de nada, porque os Cristãos andavam em volta com eles, e assim entraram  com eles pela porta da vila e ali foi a peleja tão grande de maneira que mais Cristãos morreram ali,  que em outro lugar que se no Algarve tomasse. E el-rei mouro andou pela vila em redor e quis-se acolher pelo postigo da traição a um alcácer em que ele morava, e achou o postigo embargado, foi para se acolher por outra porta da vila e achou-a fechada, e então de desespero, deu de esporas ao cavalo e fugiu, e passando por um pego afogou-se ali, e o acharam depois morto2, e agora chamam  àquele lugar o pego de Ala Mafon; dos mouros que ficaram no alcácer e trabalharam para o defender quanto podiam, o Mestre não os quis combater [dizendo-lhes] que seguros viessem à vila, se quisessem, e aproveitassem suas herdades, e lhe [re]conhecessem aquele senhorio que conheciam ao rei mouro, e assim fez aos outros lugares que tomou, e não combatiam os alcáceres em que se os mouros recolhiam, mas segurava-os e que vivessem nas terras por serem aquelas aproveitadas, e depois foi ali edificada uma igreja catedral e foi feita a cidade. Então se tornou o Mestre a Paderna, que antes tivera cercada, e tomou a vila e o castelo por força, e não se combateram com eles, matando os mouros por dois cavaleiros freires que ali mataram. Esta vila de Paderna se mudou naquele lugar que agora chamam Albufeira, porém ainda a outra está habitada e defendida com seu castelo e uma cisterna mui boa dentro”.

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1 Ibne Mahfot, ou Mafon, último rei de Silves e Niebla.

2  Situação inverosímil, porquanto Ibne Mahfot teria ido para Sevilha depois da conquista do Algarve, onde se rendeu ao Rei de Castela, e terá ficado na sua corte.

Grafia atualizada.

*Segundo a “Crónica da Conquista do Algarve”, de autor ainda não completamente identificado, provavelmente do séc. XIV, publicada em 1792, e republicada, com comentários e notas, por José Pedro Machado – Separata dos Anais do Município – VIII – Faro 1979.

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