16. A narrativa dos sete cavaleiros mortos pelos Mouros nas vésperas da conquista de Tavira

Voltamos novamente ao período medieval no Algarve, com

A narrativa dos sete cavaleiros mortos pelos Mouros nas vésperas da conquista de Tavira*

Por nos parecer de algum interesse, transcrevemos este texto da obra abaixo citada, com a grafia atualizada, sobre a morte dos cavaleiros cristãos cujos túmulos se encontram na igreja de Santa Maria do Castelo de Tavira.

O registo escrito deverá ser posterior aos factos, provavelmente do séc. XIV, apresentando no seu conjunto algumas imprecisões temporais e espaciais.

Contextualizando a ação descrita, direi que estaríamos em 1239 [a obra fala em 1242]**, reinado de D. Sancho II, depois de se terem reconquistado as principais praças muçulmanas da bacia do baixo Guadiana, estando o Mestre de Santiago e as suas forças baseadas na povoação de Cacela, e havendo frequentes combates entre as forças cristãs e mouras na região, nas vésperas da tomada de Tavira.

V – Como o Comendador e cinco cavaleiros foram com ele caçar às Antas, além de Tavira uma légua, e saíram os Mouros a eles e os mataram

Passando isto, os Mouros de Tavira e dos outros lugares ao redor, tiveram acordo e disseram entre si “nós estamos já perto do mês de julho em que havemos de apanhar nossos pães, e mais, vem chegando o tempo das colheitas, e já que assim somos maltratados pelo Mestre [D. PaioPeres Correia, Mestre de Santiago] façamos com ele tréguas até S. Miguel de setembro [29] que vem e apanharemos então nossas novidades e depois guerrearemos com eles até que os deitemos fora da terra”. E então o fizeram saber ao Mestre e a ele agradou de lhe dar tréguas por aquele tempo para então juntar mais gentes e haverem folga do seu trabalho e durando as tréguas por este tempo, sendo os Mouros e os Cristãos seguros, disse o comendador-mor [de Santiago] a outros cavaleiros “vamos caçar com grossas aves às Antas, termo de Tavira, que eram dali a três léguas e tomaremos ali algum prazer e desenfado, pois a terra está segura”. O Mestre quando isto ouviu, receando-se do que podia ser, disse ao comendador-mor e aos outros ”não me parece que é bem que vades lá porque os Mouros são muito ciosos assim das terras como das mulheres e se vos virem lá, pode-vos acontecer algum dano, porque na sanha são gente sem freio”. Tornou a dizer o comendador-mor “nós estamos com eles em tréguas e não havemos por que ter medo, porém, por mais segurança, nós iremos de paz e de guerra, se alguma coisa nos acontecer”. Então se partiu o comendador com outros cinco cavaleiros e vieram direitos pelo caminho de Tavira e passaram pela ponte e foram pela praça da vila e chegaram às Antas, uma légua de Tavira, acerca da ribeira e dali começaram e andar à caça, tomando prazer e cuidando bem pouco que a sua morte era tão próxima, porque quando os Mouros que estavam folgando à porta da vila os viram passar daquela maneira maravilharam-se muito e murmuraram uns com os outros dizendo que “nenhum homem nascido podia sofrer as coisas e sobarbas que estes Cristãos fazem, que são tão grandes e em tão pouca conta nos têm, que assim passaram por aqui e foram pela praça como se a vila fora já sua”, e logo fizeram sua fala que se fossem eles a eles e os matassem onde quer que os achassem, e então se juntaram todos, fervendo com grande ira, com orgulhosas palavras e caminharam todos para ir onde eles andavam. E os cavaleiros que andavam caçando assim viram tantos Mouros, porém ainda que os viram não suspeitaram logo o que era, e juntaram-se todos e disseram “por certo aqueles Mouros sobre nós vêm, sejamos todos despertos e, pois, que aqui não há outro conselho senão esperar este medo, defendamo-nos bem e vencê-los-emos com ajuda de Deus, até fazer fim das nossas vidas em seu serviço e mandemos um homem à pressa ao Mestre que nos socorra e pelejaremos então com eles”. Então fizeram um palanque o melhor que puderam de paus de figueiras velhas que acharam  por ali e nisto os Mouros vieram e como foram perto deles começaram de os combater mui rijamente e posto que os Mouros muito os atacavam, eles se defendiam com grande esforço e pelejando assim desta maneira, aconteceu que o mercador que antes dissemos que dera o conselho ao Mestre para tomar a terra de Estômbar, a que chamavam Garcia Rodriguez que ia de Faro para Tavira com a sua recova de bestas como tinha costume, e quando viu a volta dos Mouros foi lá para ver o que era, e como os viu pelejar com os cristãos, turvou-se rijamente e disse a seus homens “tomai esta recova e cargas e ide-vos com ela, que se eu viver não me faltará nenhuma coisa e se morrer aqui será em serviço de Deus, e tudo isto que levais parti entre vós”. E então se foi meter no palanque com aqueles cavaleiros e ajudava-os muito bem e ali se defenderam por grande espaço, dando e recebendo muitas feridas e assim eram afincados dos Mouros que um não podia dar fé do que outro fazia que cada um tinha bastante que fazer em defender o lugar. Por fim foi o palanque roto e passado pela força e os Cristãos postos em maior pressa e desfalecendo-lhes a virtude e não podendo mais fazer, acabaram ali os sete a sua última ventura, porém não houveram os mouros o melhor, sem lhes custar muito caro, porque bastante de matança fizeram neles, antes que lhes falecesse a força.”

*Segundo a “Crónica da Conquista do Algarve”, de autor anónimo, provavelmente do séc. XIV, publicada em 1792, e republicada, com comentários e notas, por José Pedro Machado – Separata dos Anais do Município – VIII – Faro 1979.

**A data apresentada neste excerto da Crónica – 1242 – não é compatível com a presença em Portugal de D. Paio Peres Correia, que tinha ido no ano anterior para Castela. Não havendo certezas, pensa-se que Tavira teria sido conquistada em 1239 ou 1240.

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