12. Carta de Feira de Loulé – D. Dinis – 1291

Este é o texto da Carta de Feira outorgada a Loulé por D. Dinis em 1291 [ANTT – Chancelaria de D. Dinis – Liv. 2 – Fl.17]:

“D. Dinis, pela graça de deus, rei de Portugal e do algarve, a todos aqueles que esta carta virem, faço saber que eu mando fazer feira na minha vila de Loulé, e que a comecem a fazer oito dias antes de Sam Cibraão [S. Cipriano], no mês de setembro, em cada ano, durante quinze dias, e todos aqueles que vierem a essa feira por razão de vender e de comprar sejam seguros à ida e à vinda.

E mando que não sejam penhorados em meu reino, por nenhuma dívida naqueles oito dias que vierem à feira, nem nos quinze dias que ela durar, nem nos oito dias que a ela se seguirem, senão por dívida que for feita nessa feira. E para que ninguém tema vir à feira, dou esta minha carta ao alcaide e aos alvazis que atenham no concelho da dita vila de Loulé.  E ponho tal intento nisto, que quem quer que faça mal àqueles que a esta feira vierem, paguem a mim seis mil soldos e dobre aquele que roubar a seu senhor.

E todos aqueles que vierem a essa feira com suas mercadorias paguem a minha portagem e todos os meus direitos sobre essa feira. Em testemunho desta coisa dei aos alvazis do concelho de Loulé esta carta.

Dada em Lisboa. Vinte e oito dias de julho. El-rei o mandou. S. E. Eanes a fez. Era de Mil Trezentos e Vinte Nove” [1291 da Era de Cristo].

Nos primeiros séculos da monarquia portuguesa, numa iniciativa que se estendia por toda a Europa, os reis patrocinavam a criação de feiras no seu território, como forma de dinamizar a economia local, regional e nacional. Depois de assegurada a conquista dos territórios que viriam a formar o país, a coroa preocupou-se com o desenvolvimento económico de todo o espaço nacional. Todos lucravam com isso, inclusive o próprio rei, que cobrava os seus impostos, nomeadamente a portagem1, nos termos definidos pelo foral de cada localidade, em relação a cada tipo de mercadoria transacionada. As feiras incluíam ainda uma dimensão cultural, juntando pessoas de diversas regiões, em que havia divertimentos de rua (malabarismos, saltimbancos, poesia, música e dança, teatro, etc.), e frequentemente coincidiam com festas religiosas, o que também contribuía para a afluência de mais pessoas. Era através das feiras que muitas vezes se tinha conhecimento de notícias e informações da corte, que de outro modo não podiam ser difundidas pela população na época.

No caso de Loulé, como já vimos antes, a sua feira foi a primeira criada no Algarve, quando na parte sul do Alentejo só existia a de Beja (1261) e a de Ourique (1288), ambas com a duração de um mês, vindo depois a ser criadas as de Alvito (1296) e Moura (1302).

Segundo a carta acima transcrita, tinha como data central o dia de S. Cipriano, santo e mártir cristão de século III, designado como S. Cipriano de Cartago2, onde foi bispo, e que se comemora a 16 de setembro. Desconhecendo-se a componente de fervor religioso pelo santo, supõe-se que seria uma altura importante para a economia local, no final do verão, com produtos agrícolas para escoar (figos, amêndoas, e outros frutos), e para a população local e regional se abastecer de outros produtos (alimentos, vestuário ou outros) para durarem o ano seguinte. Durava quinze dias, oito antes daquela data e os oito seguintes.

Para facilitar e incentivar a ida à feira, e evitar que quem quer que lá se deslocasse pudesse ser preso por dívidas anteriores, sejam a particulares sejam ao próprio rei (impostos), a carta expressava ainda que ninguém podia ser penhorado nem nos oito dias antes (ida), nem durante os seus quinze dias, nem nos oito seguintes (vinda), a não ser por dívida feita nessa feira. Quem isto não cumprisse, pagaria uma multa de seis mil soldos ao rei, e quem roubasse ao seu senhor pagaria em duplicado. Este calendário tornava possível a vinda a Loulé de pessoas de todo o Algarve e baixo Alentejo, em condições de segurança.

Claro que estes incentivos não eram exclusivos de Loulé, antes eram uma prática europeia na baixa Idade Média e eram designados como “paz da feira”, denotando claramente a força da intenção da Coroa nestes estímulos ao comércio interno.

Ainda neste documento, já escrito em português, como passou a ser usual com D. Dinis, saliento a entrega da carta de feira aos alvazis3 de Loulé, que deviam zelar para que a vontade do rei fosse cumprida em plenitude.

Finalmente, a data da criação da feira: 28 de julho de 1329 – trata-se da era de César, usada em Portugal até 1422, e que transposta para a era de Cristo, que atualmente seguimos, é 1291.

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Notas:

1 Ao contrário do significado atual, portagem era o imposto cobrado pelo Rei, segundo o foral da localidade, numa qualquer transação comercial.

2 Este santo confunde-se muitas vezes com outro homónimo de Antioquia, de quem o que mais se fala é que tenha estado na sua juventude ligado à feitiçaria, magia negra e ciências ocultas (ver “Livro de S. Cipriano”).

3 Palavra de origem árabe que designava os juízes ou os vereadores de um concelho, e que passado cerca de um século tinha caído em desuso, substituída por aqueles.

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