Tradução portuguesa da transcrição manuscrita em Latim que se conhece:
“Em nome de Cristo e na sua graça. Que de todos, quer presentes, quer futuros, seja conhecido que eu, Afonso, pela graça de Deus Rei de Portugal, com muinha mulher a Rainha Dona Beatriz, filha do ilustre Rei de Castela e Leão, e nossos filhos e filhas, os infantes D. Dinis, D. Afonso, D. Branca e D. Sancha, faço carta de foro a vós, povoadores de Santa Maria de Faro, isto é, dou e concedo a vós, povoadores de Santa Maria de Faro, presentes e futuros, foro, usos e costumes da cidade de Lisboa, exceto na jugada de pão1 de que vos desobrigo para sempre.
E reservo para mim e todos os meus sucessores todos os fornos de pão e todas as salinas, construídos e a construir, em Santa Maria de Faro e no seu termo.
Também reservo para mim e todos os meus sucessores as casas e a adega que eu costumava ter desde o tempo em que recebi a vila dos sarracenos.
E retenho para mim as vinhas que costumava ter Domingos Ruiz, e todos as figueiras de Marim e todas as antigas instalações que foram de azenhas de pão, ou que vierem a construir, ou pisões ou moinhos.
Igualmente retenho para mim e todos os meus sucessores todas as tendas que os reis sarracenos costumavam ter no tempo dos sarracenos.
Também reservo para mim e todos os meus sucessores que não se venda outro sal em Santa Maria de Faro, nem no seu termo, que não seja o meu sal.
Igualmente retenho para mim e todos os meus sucessores que o vizinho de Santa Maria de Faro que queira levar vinho de Santa Maria de Faro ou do seu termo me pague meio morabitino por cada tonel que comprar. E aquele que não for vizinho, pague um morabitino por cada tonel que levar. E igualmente desobrigo-vos e àqueles que transportarem vinho de Santa Maria de Faro e seu termo daqueles almudes de vinho que pagam em Lisboa de portagem do vinho que levam por mar, salvo o direito do relego durante os três meses de relego2
E reservo para mim e para os meus sucessores os açougues e fangas3 e banhos de Santa Maria de Faro e a pesca da baleia e todo o direito de padroado das igrejas construídas e a construir em Santa Maria de Faro e seu termo.
E todas as outras coisas, além das referidas, dou e concedo-vos a vós povoadores de Santa Maria de Faro, foros usos e costumes da cidade de Lisboa, o qual foro é igual a este. Portanto dou-vos como foro também as outras coisas acima escritas na carta de foro de Silves”.
Bibliografia:
ANTT – Doações de D. Afonso III – Livro I – fl. 82v-83v – Forais de Silves, Faro, Loulé e Tavira;
Cópia em Latim publicada também na brochura “A Tomada de Faro por D. Afonso III foi há 732 anos” – J. A. Pinheiro e Rosa – Ed. C. M. Faro – 1981
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Notas:
1 Jugada de pão = imposto cobrado em géneros (cereais cultivados) pelo rei por cada junta de bois de lavoura;
2 Relego = direito senhorial de vender o seu vinho antes dos outros;
3 Açougues e fangas – pontos de comércio de produtos alimentares.
Destaques:
– Dado por D. Afonso III, na presença de toda a família real, em Lisboa, no ano de 1266;
– Segue o foro, usos e costumes dados à cidade de Lisboa em 1179, pelo paradigma do foral de Silves, que se aplica também aos restantes forais dados na mesma data a outras localidades do Algarve: Loulé e Tavira;
– Cria o concelho de (Santa Maria de) Faro, e atribui à povoação a categoria administrativa de vila; o nome da povoação deriva da devoção ancestral a Santa Maria e ao nome do último governador muçulmano da povoação – Ibne Harune, que deu depois Farão, e finalmente Faro (como veremos noutro artigo posteriormente);
– Para ser devidamente entendido, deve ser acrescentado ao texto do foral de Silves, que foi feito a partir do de Lisboa (1179) no qual se discriminam todas as regalias dadas aos diversos grupos sociais; os impostos a pagar ao rei nos vários tipos de transações comerciais; e as penas a aplicar nas diversas tipologias de crimes cometidos;
– A parte designada como foral de Faro é apenas o conjunto de situações específicas aplicáveis a esta vila:
– Isenta os habitantes de Faro do pagamento da jugada de pão; isenta-os também do pagamento dos almudes de vinho que os habitantes de Lisboa pagavam de portagem do vinho que levavam por mar;
– Explicita os diversos bens imóveis que o rei reserva para si e seus sucessores: fornos, salinas, moinhos e azenhas; vinhas, adegas, lagares, hortas e as figueiras de Marim; os açougues, fangas, tendas e banhos;
– Estabelece o monopólio da Coroa na produção e venda do sal;
– Estabelece o direitode relego para o seu vinho;
– Marca o direito de padroado sobre as igrejas construídas e a construir em Faro e seu termo;
– Identifica o nome de Domingos Ruiz como tendo possuído vinhas que agora passavam para a posse do rei.